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sábado, novembro 24, 2018

EU


Sou feita de fins e de recomeços
De ganhos e de perdas
De sucessos e de insucessos
Sou a noite e sou o dia
Sou a tristeza e sou a alegria
Sou um ser inacabado
Em crescimento dia-a-dia.
E nesta incerteza de mim
Neste traçado universal
De mim tenho a ideia
De uma pétala perdida
Da rosa mãe, encarnada,
Boiando à superfície do lago
Em estádio de agonia.

Jeracina Gonçalves
18/12/2018

quinta-feira, novembro 15, 2018

O SILÊNCIO DAS PALAVRAS


Neste lusco-fusco, sem esperança,
O silêncio das palavras mina no meu coração
Galerias profundas de perversa desilusão.

Vozes escorregadias, insidiosas
Escapam-se por entre o silêncio das palavras
Incontroláveis 
Penetram profundamente
Sob os alicerces minados do amor.
As sombras da noite cantam melopeias
De tristeza e desamor.

Insidioso, perverso, incontrolável
O silêncio das palavras
Escapa-se em vozes gritantes
Escorregadias
E penetra profundamente
Sob os alicerces desgastados do amor…

O silêncio das palavras são vozes gritando
Nas sombras da noite
Melodias de tristeza e de solidão.
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal

domingo, novembro 11, 2018

LINDA


Linda era uma menina de grandes olhos amendoados, cor de azeitona, num bonito rosto de pele aveludada e macia, da cor do chocolate. 
Era uma caboclazinha, pequena e franzina, que não aparentava mais de seis ou sete anitos.
Ao ombro transportava o seu papagaio; o seu “ganha-pão.”
Encontrei-a na Amazónia, quando fazia a descida do rio Negro, desde Manaus ao encontro com o rio Solimões – “O Encontro das Águas” - como é denominado na proposta de passeio feita aos turistas.
Ela, a Linda, bem como outros miúdos mais ou menos da sua idade, apresentavam-se por ali, aos turistas, com os seus animais de estimação - a jibóia, o papagaio, a preguiça, o macaquinho, etc., para posarem para a fotografia abraçados a eles. De seguida estendiam o chapéu ou o boné para receberem «o cachet».
Foi numa das paragens para visitar um aquário de jacarés, que ela me interpelou, pedindo-me uma caneta.
Rebusquei o fundo do meu saco e encontrei uma esferográfica, ferramenta que trago sempre comigo, e dei-lha.
-Obrigada – disse-me.
-Como te chamas? – Perguntei-lhe
-Linda.
-Já sabes escrever?
-Já.
-Quantos anos têm, Linda?
-Tenho nove.
Enquanto os outros caboclozinhos estendiam o chapéu ou a boina à espera de receberem o pagamento pelo serviço prestado, em dinheiro, Linda não pedia dinheiro. Pedia canetas, cadernos e livros. A sua sede era de saber; a sua fome era de material para aprender. E pôs-nos, quase a todos no grupo, a rebuscar sacos e carteiras.
Mas quem vai com livros e cadernos para a Amazónia numa viagem de férias? 
Esferográficas, quase todos levávamos, mas livros e cadernos...
Quando saio para viagens de férias faço-me acompanhar, quase sempre, de um pequeno bloco, onde vou registando as minhas impressões sobre o que observo e, de entre o que os guias vão transmitindo durante a viagem, o que me vai deixando maior marca e não quero esquecer. Tirei do saco o bloco que trazia comigo desta vez, e ofereci-lho. Os seus lindos olhos negros brilharam como se tivesse recebido um enorme tesouro.
Tão pouco! Tão pouco, mas o suficiente para que os seus olhos reflectissem o enorme prazer que enchia a sua pequenina alma esfomeada e sedenta de saber.
Não sei o que foi feito da pequena Linda, que conheci, lá longe, no meio da Amazónia, nos longínquos anos de 1993, mas a sua imagem surge-me, muitas vezes, especialmente quando vejo as nossas crianças desperdiçarem e estragarem o material de aprendizagem que, felizmente, têm ao seu dispor.
Jeracina Gonçalves

sábado, novembro 10, 2018

NOS BRAÇOS DO OUTONO


Por entre lampejos de verão
Chega o outono sem pressa.
Traz guinchos de furacão
E faz úlceras na natureza.
Da proeza arrependido
Enlaça-a com carinho e atenção
A natureza assim mimada
Nesse abraço embalada
Revela todo o seu esplendor
Em quadros de cores quentes
Pintados por mãos hábeis
De talentoso pintor.
E os parques e as vinhas
Regalam as almas sensíveis
Com tanta beleza e cor.
Jeracina Gonçalves
01/11/2018