NOS CONTRAFORTES DA SERRA.
As lágrimas, que a Lua chorou sobre a pele macia e aveludada da rosa provocantemente exposta aos dourados raios do Sol nascente, deliciando-se com a sua carícia doce, amiga, criadora, são diamantes incrustados no veludo rubro das suas pétalas: fulguram sob as chispas ardentes do sol enamorado, crescendo em ardente paixão perante tão perfeita e encantadora formosura, e atraem a abelhinha matinal que, apaixonada também, ternamente a vem beijar e com ela estabelece um diálogo secreto, prenhe de cumplicidade e de amor. No açude à minha esquerda, a água cai, ritmada e branca, sobre o lago cavado na rocha do leito, mercê da pressão contínua do seu ímpeto. Multiplica-se em ondulações sonoras e, com o zunir da abelhinha enamorada e o fervilhar dos ramos dos castanheiros e dos amieiros frondosos a bordarem as margens do rio, tocados pela brisa, compõe um concerto de paz e põe pinceladas de verde e azul na minha alma faminta. Escapule-se, depois, pela direita do areal a fluir mansa e pura sobre a cama de pequenos e arredondados seixos, brilhando sob os raios incidentes do sol. Um pouco mais abaixo espraia-se, serena e quieta, num palco espelhado a refletir coreografias de enorme beleza, nesta manhã azul, deste mês tão popular, de marchas, alho-porro e martelinhos, com a bela sardinha assada a nadar em vinho tinto pelas ruas, e manjericos a aquecerem os corações enamorados.
Toda a natureza fervilha, igualmente viva, apaixonada, saudável e tranquila; e a minha alma, ávida, insaciável, mastiga sofregamente este delicioso manjar de luz, cor e amor, neste recanto de paz, nos contrafortes da serra.
Porém, em oposição a este delicioso poema de beleza e de amor com que a Natureza me presenteia nesta manhã de Junho, chega, inadvertidamente, aos meus ouvidos um diálogo entre humanos bastante menos poético e pacífico, que me põe a pensar nas atrocidades que o dinheiro, a ganância, a paixão incontrolável do ter, da posse, pode desencadear; os desencontros que pode provocar nas famílias e criar situações de grande desgaste e de sofrimento atroz, destruindo-lhes a harmonia, o entendimento e até a vida.
“…diz-se que o sogro é que queria matá-lo; mas a verdade é que quem foi buscar a arma e deu dois tiros no sogro foi ele. Diz-se que foi por causa de dinheiro. Havia ali uma grande fortuna e há quem diga que foi conseguida… assim… Sabe Deus como! Diz-se muita coisa. O povo disposto a falar…
Alegaram loucura instantânea e foi absolvido. Não cumpriu pena. Mas não era boa rês. E, por de traz daquela absolvição devem ter circulado grandes somas; deve ter corrido por ali muito dinheiro. Porém, desta vez, o dinheiro nada pôde. De nada lhe valeu. E lá foi. Um enfarte fulminante e… seguiu o caminho de todos, sem levar nada consigo. Tudo cá ficou. Tudo cá fica. Sempre. Para quê tantas rixas, tantas zaragatas, tantos ódios? Para quê? Diz-me!
Quando chega a hora, todos partimos da mesma maneira. Ninguém leva nada consigo.
Ah! Sim! Deixou a família toda bem…”
As vozes afastam-se, dialogando, sem se terem apercebido da minha presença.
Fiquei a matutar no que acabara de ouvir, sem saber a quem se referiam. Estou de passagem e não conheço as histórias das gentes, mas a história impressionou-me.
O dinheiro! Sempre o dinheiro!
E fico a pensar no dinheiro e nas enormes atrocidades cometidas por esse mundo além por sua causa. Provocam-se guerras, promove-se o tráfico de drogas, adulteram-se alimentos, escravizam-se mulheres, crianças… Enganam-se e traem-se multidões. "Meio mundo engana outro meio.", como diz o ditado. Em seu nome, em nome do lucro desmedido, tantas e tantas situações degradantes, tantas e tantas mortes e desgraças crescem e se espalham pelo mundo! Mas, sem ele, tanto sofrimento existe também.
E fico-me a refletir na sua ambiguidade, na sua dualidade.
O dinheiro em demasia mata a alma, a sensibilidade, o coração. Mata o Ser.
Quando a ganância domina e se impõe sem regras, destrói famílias, destrói amizades, compra consciências, espalha o caos e a morte.
O dinheiro com ganância conspurca, suja, destrói.
Cada ser humano devia ter o suficiente para ter uma vida digna, com trabalho lazer e cultura. E, quanto a mim, todos os trabalhos são igualmente dignos e importantes, desde que exercidos com profissionalismo e honestidade e contribuam para o bem-estar do ser humano em sociedade.
Cada ser humano devia ter dinheiro suficiente para poder distribuir a sua vida, igualmente, por estas três vertentes: trabalho, cultura, lazer, sem extravagâncias, mas com responsabilidade e sentido de dever individual e coletivo.
- Utopia! Dirão.
- Eu sei. Mas como seria bom se assim pudesse ser!
- Como o Mundo seria tão mais feliz se assim fosse!
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal
PS: Este texto é antigo e já foi publicado por aí em vários sítios.
Continua atualíssimo. Quanto a mim, cada vez mais. Acho que não faz mal publicá-lo de novo.