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domingo, setembro 27, 2020

SETEMBRO (versão 2)

 

Setembro, mês generoso 
de gratos e deleitáveis sabores 
cativas os paladares 
e propagas pelos teus ares 
odores voluptuosos 
de frutos, mostos e lagares 
em dias e noites amenas 
de azáfama e belos cantares; 

Contigo chega a estação 
que chega volvido o Verão 
e pinta a Natureza 
com tão belas cores coloridas 
que só um pintor divinal 
com muita afetividade e amor 
poderia tal tela compor! 

Gosto de ti, ó Setembro 
pelo que és e me dás 
és o meu mês de nascença 
e como eu muitos há 
que ao mundo trouxeste 
em teu colo acarinhaste 
com tua essência benzeste. 

                                                          Jeracina Gonçalves 
Barcelos/Portugal - 24/09/2020 

quarta-feira, setembro 23, 2020

FOLHAS


Folhas... 
Há folha e folhas 

Folhas fábrica, folhas vida 
Fazem da morte a vida 
Da luz fazem o alimento 
Que sua vida alimenta 
E na Terra alimenta a vida 

Folhas... 
Há folha e folhas 

Folhas novas, folhas velhas 
Folhas vivas, folhas mortas 
Folhas maculadas, bicolores, variegadas 
Amarelas, castanhas, avermelhadas 
Folhas sem força, já velhas, já cansadas 
Deixam-se ir num bafo de vento mais forte 
Rodopiam, rodopiam, rodopiam pelo ar 
E caem sem vida no chão 
São folhas desta estação. 

Folhas... 
Há folha e folhas 

Folhas pequenas, folhas grandes 
Folhas lanceoladas, alongadas, arredondadas 
Folhas ovais, cordiformes, elípticas 
Folhas pecioladas, folhas peltadas 
Folhas lisas, pilosas, rugosas 
Folhas simples, folhas compostas 
Folhas aéreas, aquáticas, subterrâneas 

Folhas...
Há folha e folhas 

Folhas de couve, folhas de alface 
Folhas de malva, de nabo, de laranjeira 
Estou indisposta 
Vou tomar um chá de folhas de cidreira 
A tensão arterial subiu? 
Toma um chá de folhas de oliveira! 
Mas se são gases a causa do teu mau estar 
Um chá de folhas de hortelã poderá ajudar. 

Folhas... 
Há folha e folhas

Folhas de árvore, árvore sem folhas 
Folhas caducas, folha perenes 
As folhas dos livros, das árvores vêm 
Folhas escritas, pintadas, desenhadas 
Folhas lisas, folhas pautadas 
Folhas que leio, folhas que escrevo… 

Folhas... 
Há folha e folhas

Já escrevi folhas e folhas 
De páginas da minha vida 
Umas de lágrimas e dores 
Outras de risos e alegrias 

Duas páginas uma folha 
Assim se vai compondo 
O livro da minha vida 
Cada dia acrescentado 
De nova página escrita 
Em lágrimas e alegrias 

No meu peito a gratidão 
Por cada página escrita e lida 
Pelo bater do meu coração 
A caminhar o dia, cada dia 
Com sentir e compreensão. 

Folhas... Há folha e folhas… 

Jeracina Gonçalves 
Barcelos/Portugal, 22/09/2020

segunda-feira, setembro 21, 2020

 

REFLEXOS DESTE TEMPO - Março/Abril 2020 –  PARTE IV

 

Por Jeracina Gonçalves – Barcelos/Portugal 

 

Gostei do poema que me enviaste, Susana. É realista. Descreve a situação com objectividade e clareza. Quanto a mim, está perfeito. Não me fales em cansaço… em prisão… em nada dessas coisas. Usa as armas que tens e delicia-nos com a tua escrita. Sê generosa e dá ao mundo o que tens no teu coração, na tua alma. 
- Obrigada Jorge. Estou grata a Deus pelo que me dá todos os dias, incluindo cada dia de vida. Todos os dias lho agradeço. Ficarei em casa o tempo que for necessário e ultrapassarei este sentimento menos bom que teima em querer aprisionar-me. Não o permitirei. 
E tiver necessidade de sair, sairei com todos os cuidados aconselhados, cumprido todas as regras. Por mim e pelos outros. Não quero ser causadora da doença nem da morte de ninguém; nem tão pouco da minha. Gosto muito da vida. Gosto muito de viver e sou grata por essa grande dádiva que me foi concedida, que procurarei conservar por muito tempo ainda, nas melhores condições possíveis. 
Claro que terei de aceitar a morte quando ela chegar. Não terei como travá-la se vier para levar-me. É impiedosa e traiçoeira. Aparece quando menos se espera e de onde menos é esperada e derruba a vida mesmo que brilhe nuns olhos acesos de esperança. Faz o que veio fazer e nada a detém. Todavia acredito que apenas leva este invólucro exterior, o corpo físico. O cerne da vida, o âmago, a essência continua para lá deste espaço terreno. Não sei onde nem sob que forma, mas acredito que não acabe aqui. Contudo espero que ela venha ter comigo o mais tarde possível. Não tenho pressa de partir. Gosto de ver o nascer sol todos os dias, de ouvir o chilreio dos pássaros todas as manhãs (são o meu despertador quando a insónia não me persegue) … 
Gosto de estar por aqui! E ainda que seja nas asas de uma das rolazinhas que todas as manhãs me cumprimentam do extremo de lá do estendal da roupa, em frente à janela da minha cozinha, acharei maneira de afastar de mim este sentimento menos positivo. Partirei nas suas asas pelo espaço azul, buscando o sonho que sempre me mantém deliciosamente confortável com a vida, apesar das vicissitudes menos boas com que às vezes me presenteia. 
Embora isto pareça uma contradição é uma verdade real e muito presente na minha vida. “O sonho comanda a vida”, disse o poeta; pois a mim ajuda-me a vivê-la. O sonho, a fuga para outros espaços, não sei onde, que sinto e vejo dentro de mim (talvez porque os sinta urgentes e necessários na transformação deste mundo, fazendo-o mais igualitário e mais justo), têm-me mantido psiquicamente saudável ao longo destes anos que vivo só, sem que a solidão se me tenha feito notar. Não me tomou por um dia sequer, a não ser agora…um pouco. Ao sonho, à quimera consentida, à fuga para outros mundos através da escrita, o devo. Escrever é uma das tais práticas que dão asas ao meu tempo. Voa… voa… voa… Voa como a ave mais rápida a rasgar o espaço com as suas asas abertas. Foge-me. E, geralmente, clamo por mais. 
Todavia, nem sempre a inspiração aparece quando é chamada. Mas alguma coisa há-de surgir perante uma página em branco do Word: poema, crónica, conto… Não sei. Mas qualquer coisa há-de brotar que me faça sair de entre estas quatro paredes e voar pelo espaço da imaginação. 
- Assim gosto mais, miúda! Consegui-lo-ás. Os teus recursos são variados. Aproveita-os. Espraia a imaginação pelos amplos espaços da fantasia. Dá-lhe a liberdade, que hoje te é negada ao corpo físico, e deliciar-me-ás com mais um dos teus belos textos. Sabes quanto gosto de lê-los. 

Esta conversa com o Jorge fez-me bem. Despertou-me. Ele tem razão. Tenho tudo para afastar de mim este sentimento negativo. Assumirei, com determinação, a necessidade deste confinamento, como uma vontade própria, uma determinação assumida pela minha consciência: “estou confinada, porque eu mo determinei, conscientemente, perante a minha responsabilidade para com a minha saúde e a do colectivo”. 
Penso que assim tornar-se-á mais fácil viver este confinamento sem barreiras psicológicas. Vou colocar um CD a passar uma música relaxante e ligar o computador. Quem sabe se não conseguirei agora a tal fuga providencial de que necessito, e possa envolver-me na criação de um qualquer texto, poema ou crónica, com o qual possa brindar o Jorge, de maneira a deixá-lo feliz. É um bom amigo. Cheio de problemas, mas sempre disponível e atento aos problemas dos outros. 

“Uma aguarela em tonalidades verdes, onde brincam e chilreiam passarinhos, abre-me as janelas da alma todas as manhãs, inundando a minha alma e o meu coração de beleza serena e de tranquila paz. 
Todavia esta paz, que usufruo neste meu mundo mais ou menos protegido, é maculada por outro mundo, para lá deste, que me chega também e me atinge o coração com um terrível bombardear de gritos saídos das entranhas da dor, que se manifesta e estrondeia pelos caminhos da Terra das mais diversas formas. Estende-se por todas as latitudes e longitudes, movimenta-se em todos os meios e percorre toda a Terra. São gritos de solidão, de sofrimento e de morte, distribuídos pela Terra de forma insidiosa e perversa, pelas mãos felinas de um vírus assassino, que arrasta consigo multidões e entrega às garras da morte muitas dessas pessoas, mais frágeis e desgastadas; gritos de solidão, de sofrimento e de morte de esqueletos a circularem por entre searas de fome e campos de ódio e de solidão; gritos silenciosos de solidão, de sofrimento e de morte, de crianças esqueléticas, exangues nos braços de mães de olhos mortos pela dor, pela fome e pela incompreensão de tanta dor que as atinge e aos seus filhos; gritos de solidão, de sofrimento e de morte, provenientes das guerras espalhadas pelos quatro cantos da Terra, que destroem os lares de pessoas de paz, transformando-as em seres errantes, pelo mundo à procura de um canto onde possam reconstruir o seu espaço de paz e de amor. 
Gritos. Gritos. Gritos. 
Gritos que atingem o meu coração, vindos das mais diversas partes do mundo. 
E a minha alma grita. Grita a revolta contra os chacais assassinos, que pululam pelos caminhos da Terra e fomentam e alimentam este estado de coisas e contra os abutres que se alimentam e engordam com elas. Uns e outros alimentam-se e engordam à sombra de todo este sofrimento, de toda esta solidão, de toda esta dor. 
Senhor! Tu que és Vida, que és Paz, que és Amor, que derramaste o Teu sangue por amor a este povo, dispersa agora a Tua bênção sobre os caminhos da Terra. 
Dissemina sobre a Terra a Tua Paz, a Tua Alegria e o Teu Amor!” 

- Bom dia, Jorge. Envio-te o primeiro texto da minha redenção. Escrevi-o ontem de manhã, depois de abrir a janela da minha cozinha. Consegui olhar o meu vizinho plátano com os olhos com que sempre o vi, que andavam turvos pelo nevoeiro deste tempo. Ele, com o seu porte altivo e sereno, mo inspirou. Espero que gostes.

21/09/2020 (continua)

BOM DIA!

Abri a janela do meu quarto.
O dia estava triste, macambúzio.
Não me deu o seu sorriso alegre 
brincalhão
como era seu hábito. 

E nem os cantores alados 
me saudaram 
com o seu mavioso canto 
e coreografias de encantar.

Só no recreio 
em frente 
crianças se passeavam 
(como gente crescida) 
muito quietas e mudas 
carregando suas mochilas 
e as bocas escravizadas.

Não muitas.
Cinco, apenas.
                               Jeracina Gonçalves
                              Barcelos/Portugal,  21/09/2020

sábado, setembro 19, 2020

QUEM SOU?

 

Sou uma Professora Aposentada.
Sou apenas mais um ser desta natureza bela
Com capacidade de a pensar e de a sentir.
E de sentir os seres em seu redor.

E porque a sinto
Sinto a sua beleza, a sua força, a sua fragilidade
E deixo-me seduzir por ela
E dela vou captando retalhos
Que transformo em palavras
A escorrerem-me da alma
Sempre, sempre sedenta
Da beleza emergente de cada recanto
E a cada momento
Neste belo planeta
Se olhado com os olhos do coração
Neste nosso planeta
Sempre, sempre em convulsão
Tão bonito, mas tão desigual
Onde tantos morrem sem pão
E outros desperdiçam o tal…

Quem sou?
Sou apenas mais um ser
Desta natureza tão bela
Com capacidade de a pensar e de a sentir.
E de sentir os seres em seu redor.

Gosto de escrever.
É o meu psicólogo, o meu psiquiatra
O meu “xanax”
Para a solidão vencer
Afastar do meu caminho
Os sentimentos negativos
Que, às vezes, o querem percorrer.

Quem sou?
Sou um ser, desta natureza bela,
Que sonha, que sente, que ri e que chora
E gosta desta “casa”
Onde, com outros seres, mora. 
                                       Jeracina Gonçalves 
Barcelos/Portugal - 19/09/2020

quinta-feira, setembro 17, 2020

CRÓNICAS DO MEU CAMINHO


 “O HOMEM PÕE E DEUS DISPÕE” 

O destino era Cuba. Um destino há muito pensado e desejado, inscrito nos planos de férias, que iríamos finalmente concretizar. Seriam umas férias em família. Ia toda a família: filhos, genro e netas. 

No dia aprazado para o embarque – doze de Agosto – incorporados numa fila de bandeirinhas triangulares, cor de laranja a oscilar no “mastro” de carrinhos carregados de malas e malotes, seguíamos nós com os filhos, o genro e as netas, em direção ao balcão do check-in, no aeroporto Sá Carneiro. 
-Vão para Cuba? Vão gostar. As pessoas são alegres, simpáticas, e a ilha é muito bonita. Estivemos lá no ano passado. Gostámos muito. Alugámos uma carrinha de nove lugares (éramos nove pessoas) com um condutor, que era também guia, e percorremos a ilha toda. É lindíssima. E as pessoas têm um ar saudável, bem-disposto… – Dizem-nos amigos, entretanto encontrados. 
Fico ainda mais entusiasmada e ansiosa por partir. Quero encantar-me com a beleza da ilha e a simpatia das pessoas; quero confirmar com os meus próprios olhos se tudo é realmente assim, ou será apenas uma espécie de romantismo e simpatia pela resistência notável da ilha ao bloqueio económico imposto pelos Estados Unidos. 
Feito o check-in, embarcámos. Às treze horas em ponto o avião descola. Logo depois navega entre o azul do céu, onde flutuam pequenos farrapos de nuvens brancas, e o azul do mar. Rapidamente ganha altura e prossegue a rota serenamente. 
Às oito e meia da noite (hora de Portugal), após sete horas e meia de voo tranquilo, aterra no aeroporto de Punta Cana onde está prevista uma escala de uma hora e dez minutos para desembarcar os passageiros que ficarão aí e embarcar outros, que já terão gozado as suas férias e estão de regresso a Portugal, e render a tripulação. Porém, nesse tempo, não será permitido o desembarque dos passageiros em trânsito. Teremos de suportá-lo no interior do avião, o que me parece bastante desagradável devido ao calor que se fará sentir, uma vez que o ar condicionado será desligado. Mas nada há que se possa fazer. É assim. Há que ter paciência e esperar. 
O tempo passa. Quem deveria desembarcar, desembarcou, mas os 80 passageiros que deveriam embarcar, não entram. Começamos a interrogar-nos sobre o que terá acontecido, sem que consigamos descortinar qualquer resposta. Ninguém diz nada. O calor é insuportável. Há grande acumulação de passageiros junto às portas para receberem um pouco mais de ar, mas não é permitido, sequer, chegar ao patamar da escada de embarque/desembarque, e toda a gente se abana com tudo o que lhe vem à mão: papéis, revistas, jornais… Então, com crianças de colo (o caso das netas), é tudo muito mais desagradável. 
“O aeroporto de Varadero está fechado devido a um furacão que assola a ilha. Vamos ter que esperar que a tempestade acalme”, diz o Comandante, largo tempo depois. 
Enfim alguém nos diz alguma coisa. Não era sem tempo! 
Invade-nos uma onda de apreensão, claro, mas teremos de esperar com paciência alguma melhoria de tempo. É melhor estarmos em terra do que sermos apanhados pela tempestade no ar. 
“A tripulação já foi contactar o representante da vossa agência”- disse também o Comandante, pouco depois.  "Espera-se que tudo se resolva da melhor forma.” 
Se ao menos, nos deixassem sair do avião – expressamos entre nós – seria bastante mais confortável a espera. Assim está insuportável. Este calor é aflitivo. 
Porém o tempo passa e nada mais acontece. Nada muda e ninguém nos diz nada. Até que… 
“O aeroporto de Varadero já abriu. Vamos proceder ao embarque dos passageiros e descolaremos em seguida” – diz de novo na voz do Comandante. Pouco depois começam a entrar os 80 passageiros que estão de regresso a Portugal. 
Embarcados estes, tudo continua como antes. O avião continua sem se mexer. 
“Por que não descolamos?” 
Interrogamo-nos uns aos outros, mas ninguém sabe a resposta. 
O nervosismo acentua-se. O calor aumenta. São agora mais 80 pessoas no interior do avião, parado na pista, sob o sol tropical, sem ar condicionado. E o desconhecimento do que está a acontecer deixa-nos cada vez mais ansiosos. A tensão cresce. Há quem se sinta mal. Entra um indivíduo com uma pasta, que alguém diz ser médico. Vai lá para trás, lá para o fundo do avião. Alguém se sentiu aí mal e está a precisar de ajuda médica. Esta espera é muito desgastante, e ainda mais por não se saber a razão dela. Há mesmo quem dirija palavras menos agradáveis a alguns elementos da tripulação, que, coitados, não têm culpa nenhuma e estão tão ansiosos quanto nós. 
“Estamos à espera da tripulação, que nos virá render. Já foi avisada. Chegará a todo o momento” – fala de novo o Comandante. 
Porém a tripulação não chega e começam os comentários: 
“Pois, o aeroporto estava fechado, aproveitaram para ir à praia” – dizem uns. “Isso seria uma grande falta de profissionalismo. Deviam estar no seu posto para o que desse e viesse” – contrapõem outros. 
O tempo vai passando… 
Só duas horas e cinco minutos após a aterragem, às vinte e três e vinte e cinco – hora de Portugal –, a tripulação, que deverá render a que foi de Portugal, começa a embarcar. Todavia, embarcada, nada acontece. Tudo continua exatamente como antes. 
Estamos já no dia treze de Agosto, uma hora e dez, hora portuguesa, e nada se alterou: continuamos na pista sem que sejamos informados seja do que for. O calor cria um ambiente cada vez mais desagradável e tenso, os ânimos aquecem ao rubro, e algumas pessoas descontrolam-se. Talvez por isso, pouco depois, o avião começa a rodar lentamente pela pista. Avança, toma maior velocidade, mas não chega a descolar. O comandante repete por algumas vezes que está à espera de autorização da Torre de Controlo, e voltamos ao ponto de onde havíamos saído minutos antes. 
De novo se ouve o Comandante, algum tempo depois, dizendo: “Estamos em contacto com a Torre de Controlo e com Lisboa. Vamos desembarcar e descansar um bocadinho. 
E começamos então a desembarcar para uma sala do aeroporto, após cinco horas e meia metidos num avião, parado na pista, sob um sol tórrido. Encontramos finalmente aí algum conforto, na medida em que há cadeiras para todos, é razoavelmente espaçosa e climatizada, e há onde possamos comprar uns cachorros quentes, umas bebidas e café. E somos entretanto informados de que há um furacão sobre Varadero, o aeroporto está fechado, e dado não se poder prever o tempo que durará a tempestade, nem os estragos que deixará, fora decidido pelos Diretores das Agências, que regressaríamos ao Porto no mesmo avião. 
A esta notícia sentimo-nos como se fôssemos engolidos pelo degelo de uma montanha. Regressar? Fazer a viagem, agora, de volta? Não! Tem de haver outra solução. 
Toda a gente protesta. Mas de nada vale. Às doze horas do dia treze de Agosto, após seis horas e meia de voo de regresso, aterrámos no aeroporto Sá Carneiro, de onde tínhamos saído às treze horas do dia doze. 
Fomos tomar um café ao aeroporto de Punta Cana e regressámos. O que não é para toda a gente! 
Ainda não foi desta vez que visitei Cuba. 
Um dia será, se Deus quiser. 
“O homem põe e Deus dispõe" 

Jeracina Gonçalves - Barcelos/Portugal- Agosto/2004

domingo, setembro 13, 2020

REFLEXOS DESTE TEMPO - Março/Abril 2020 – PARTE III


Por Jeracina Gonçalves – Barcelos/Portugal 


Procura em ti e verás que encontras a forma de pores cá fora toda a negatividade que te atormenta e poderás, então, dar-nos a luz das palavras de esperança e de amor que conheço da tua escrita, Susana. É dessas que fico à espera. 
- Está a fazer-me falta o chazinho de sábado à tarde com as minhas amigas, o almoço das quartas-feiras, os pequenos passeios e convívios que fazíamos quase todos os meses, as pequenas larachas que se dizem (sem nada se dizer), que nos libertam, nos fazem rir (e como é importante rir… Jorge!), as pequenas tricas que acontecem aqui e ali, as fofocas daqui e de acolá, desta e daquela… Enfim, essas pequenas coisas, tão simples, tão básicas, que parecem de menos importância quando temos a liberdade de fazê-las quando nos apetece, mas tomam um significado enorme e tornam-se tão essenciais se somos privados delas, especialmente por decisão alheia. Fazem imensa falta à nossa saúde psíquica e, consequentemente, à saúde física. São as pequenas coisas que vão dando o sabor à nossa vida. Dão-lhe o nosso timbre. São escolhas nossas e fazem-nos sentir bem. 
- Sim, de acordo. Claro que eu não tenho por que sentir esse sentimento de clausura que te aflige. Continuo a caminhar pelos mesmos caminhos, a dirigir-me aos mesmos terrenos, a realizar os trabalhos próprios desta época (enxertar, botar sulfato, apertar as vides); trabalhos ao ar livre, a céu aberto. Continuo a circular livremente pelos mesmos lugares de sempre. No entanto também sinto uma certa - não direi angústia -, mas uma certa apreensão, talvez. E, na verdade, por aqui, a vida pouco se alterou. Não há missa nem festas nem velórios. Aí residem as principais diferenças em relação ao que era antes do Covid. Mas sinto essa falta de convívio com os amigos no adro da igreja, aos Domingos, antes e depois da missa, em que falávamos das coisas banais do dia-a-dia. Íamos sabendo as novidades da freguesia, o que aconteceu a este ou àquele… Enfim, essas pequenas realidades que fazem a vida de uma comunidade rural. E ainda as saídas à tarde, para aqui e para acolá, com a Joana. Libertavam-nos do cansaço de uma semana de trabalho intenso e duro. Sinto que o Domingo está incompleto. Falta-lhe qualquer coisa. Todavia não é nada que não consiga ultrapassar. Não estou confinado entre as quatro paredes e, dentro do meu espaço habitual do dia-a-dia, circulo por onde quero sem restrições. Por isso compreendo o que sentes muito bem. Mas sabemos que tem de ser assim. E precisas de ultrapassar essa frustração deitando mão das armas que puderes. 
- Eu sei, Jorge. E ultrapassarei isto, tenho a certeza. 
A Joana, como tem passado? Como está a dar-se com isto? 
- Mais ou menos como eu. As restrições são as mesmas que as minhas. O Covid-19 ainda não chegou aqui. E enquanto não vierem os emigrantes não há muito risco. Entra e sai pouca gente da aldeia. Não teremos grandes preocupações com o “bichinho” que não é, antes de eles chegarem (se vierem). Seguimos com a nossa vida, com as restrições de que falei e com o nosso trabalho, que é muito nesta época. Depois teremos de ter mais cuidado: vêm de fora e sabe-se lá com quem contactaram. E o pior deste vírus, quanto a mim, é ter portadores saudáveis, que o transportam consigo e o transmitem sem o saberem. Não têm sintomas. Isto obriga-nos a olhar de lado para todas as pessoas, especialmente para as mais jovens. Pessoas que, às vezes, não vemos há longo tempo e gostaríamos de poder abraçar sem reservas. Priva-nos assim do abraço de um neto, de uma neta, de um filho, de uma filha, que não damos nem recebemos, como gostaríamos, por medo do contágio. E é muito complicado ter de aceitar que o que mais alegria nos dá, não poderá ser feito sem travões, sem pensamentos reservados, sempre com uma sombra a pairar em volta. É muito mau, Susana. 
- É como dizes. É o que acontece comigo: nem as minhas netas nem os meus filhos vêm cá a casa, nem eu quero que venham. O nosso contacto é apenas telefónico. Mas bem me custa. 
Se vivêssemos todos juntos… mas vivendo em sítios diferentes e a termos contactos diferentes, os encontros terão de ser muito cautelosos. Pertenço aos grupos de risco e não tenho nenhuma pressa em passar para o outro lado da vida. Mil vezes o confinamento dentro das quatro paredes da minha casa (pesado por estar só e não poder sair, sem medo, quando me apetece), mas viva e saudável. A minha casa é o meu ninho. É o meu lar. É o lugar que construí para mim e para a minha família. Guarda os meus afetos, as minhas pequenas relíquias; em tempos normais gosto de estar em casa. Agora é que, embora assuma conscientemente a necessidade deste confinamento, estou a senti-lo como o encarceramento da minha vontade, da minha liberdade de ação, ao meu querer. 
- É algo imposto pelas circunstâncias, Susana. E quando é uma obrigação não consentida, mas forçada por alguém ou por alguma coisa é sentida de forma diferente. 
- Exatamente. Ultimamente tenho pensado muito nos presidiários e no tormento que deve ser viver entre os muros robustos e as portas trancadas de uma cadeia, por anos e anos, com grades e guardas armados em volta. 
- Fizeram por isso, Susana. Não estão presos por ajudarem uma velhinha a carregar o saco das compras, ou um velhinho a atravessar a rua, ou por encaminharem uma criança perdida até casa… Mataram, roubaram, violaram, corromperam outros com a força do seu poder, do seu dinheiro, com imposições coercivas e outras. Há muitos mais cá fora, que deviam estar dentro. Não tenhas pena. Não a merecem. Estão presos porque violaram a lei. Agiram contra as leis do seu país e contra os direitos e a integridade física ou moral dos seus semelhantes, ou contra as duas. Merecem o castigo. Devem cumpri-lo. 
- Não tenho nada a opor, Jorge. Merecem o castigo e devem cumpri-lo. De acordo. Mas esta situação tem-me levado a pensar em coisas que nunca antes me tinham passado pela cabeça. A situação dos presidiários é uma delas. Presos anos e anos… Quando saem não deve ser fácil a adaptação à vida cá fora, não te parece? 
- Não deve ser nada fácil, é verdade. E muitos saem e logo a seguir praticam os mesmos crimes que os meteram dentro. E sabe-se lá porquê? Porém, nós, que não praticamos crime algum, temos de ter paciência e encarar esta situação com calma, aprendendo a lidar com este confinamento o tempo que for necessário. É essencial darmos a volta por cima aos sentimentos negativos que nos paralisam a vontade. Afundá-los lá para baixo, bem para o fundo, de modo a não incomodarem. Não será fácil, mas temos de consegui-lo. E tu tens todas as armas para fazê-lo. Deita mão delas e pensa que tudo vai voltar a ser como dantes. Embora não saibamos quando. Mas vai voltar a ser como dantes.
 Ou melhor: espero mesmo que algo mude para melhor nas relações humanas, depois de tudo isto. Todavia, por agora, é essencial que cumpramos as normas. Tens uma casa ampla e confortável, por onde podes deambular à vontade: vestida… despida…, como te apetecer, sem teres ninguém a controlar os teus atos. Aceita e agradece a sorte que tens. Pensa nas famílias grandes, com vários membros, que têm de viver confinados em espaços exíguos. Espaços onde só há lugar para um ou dois e vivem três ou quatro. Essas, sim, têm todos os motivos para desesperarem. E por esse país além, por essas cidades, haverá muita gente a viver nessas condições miseráveis. O preço das rendas e os salários baixos não lhes permitiam arrendar casas amplas. Muitos viverão como a “sardinha na canasta”, dia após dia, noite após noite, crianças pequenas, adolescentes, pais, avós… todos os dias no mesmo espaço, todas as noites no mesmo espaço… os ânimos confrontam-se, exaltam-se, surgem as pequenas guerrilhas, as grandes guerras, a violência… 
- Sei disso, Jorge. Sei que sou uma privilegiada e não devia lamuriar-me. Mas que queres, é assim que me sinto: prisioneira. Prisioneira dessa partícula ínfima, que tem a capacidade de destruir vidas e de espalhar o caos pelo mundo à velocidade do vento. Mas sei que é apenas uma fase mais negativa que estou a passar, que ultrapassarei. Não deixarei que este sentimento de impotência me continue a paralisar a vontade por muito mais tempo. Aproveito para brindar-te com mais um poema: 

TEMPO DE PANDEMIA 

Chegou. Sem cerimónia 
Atinge ricos e pobres 
Novos e velhos 
Sem-abrigo ou palacianos. 
Não distingue raça, não distingue cor 
Nem sexo nem religião 
Ataca a todos sem distinção. 
De oriente para ocidente 
De norte para sul 
Percorre o mundo de lés-a-lés 
Com a rapidez do vento. 
Difunde o medo, difunde a dor 
Difunde o sofrimento… 
Difunde a morte.
Impõe ao mundo o seu poder maléfico. 
Confinado ao seu danoso poder 
O mundo paralisa. Perde suporte. 
E a fome circulante sobre a Terra, cresce. 
Cresce a tristeza, cresce o desemprego 
Cresce sofrimento e cresce a morte. 

13/09/2020 (continua)

sexta-feira, setembro 11, 2020

REFLEXOS DESTE TEMPO - Março/Abril 2020 – PARTE II


Por Jeracina Gonçalves – Barcelos/Portugal

- Então, amiga, como te sentes hoje? Espero que um pouco mais animada. 
Fiquei preocupado contigo e a pensar no que ontem me disseste; e percebo bem o teu estado de espírito. Compreendo-te, Susana. Sozinha em casa sem televisão, sem e-mail, sem Google, sem Facebook... não é fácil. Especialmente quando não é uma decisão tua, como é o caso, mas imposta por essa "coisa". Todavia, às vezes, ajuda olharmos para fora de nós, para o que está à nossa volta. Ajuda a que nos vitimizemos menos e aceitemos melhor as contradanças da vida menos positivas e compreendamos que, afinal, somos uns privilegiados.
Analisa as tuas condições de vida, as condições da tua casa, as tuas condições de confinamento, apesar de todas as limitações. Compara-as com as de tantos e tantos portugueses e portuguesas por esse Portugal adiante. Compara as condições da tua casa com a de tantos portugueses e portuguesas por essas cidades e aldeias de Portugal. 
Claro que é um confinamento imposto por essa miserável partícula invisível de qualquer coisa sem vida; mas é para preservarmos a saúde e a vida de todos. E esse facto tem de bastar para dar-nos o ânimo e a força para o assumirmos com convicta determinação. Porém não é fácil. Nem sempre o nosso inconsciente (e, se calhar, também o nosso consciente) aceita bem o que é imposto. A liberdade de ação é imprescindível para sermos, criarmos e concretizarmos coisas.
- Pois é, Jorge, comigo passa-se exatamente assim. Em tudo. Gosto de tomar as decisões que me dizem respeito e que ninguém as queira tomar por mim. Mas, em relação à situação atual nem tinha pensado nisso. Todavia faz sentido. Inconscientemente tomo isto como uma obrigação imposta por outrem, e não consegui ainda assumi-lo como uma decisão consciente, necessária à continuação da minha liberdade, da minha vida saudável e da dos meus semelhantes. Por isso me é penoso aceitá-lo: amachuca-me, tira-me a vontade de agir, de construir, de fazer seja o que for. Cansa-me. Paralisa-me.
Há dias escrevi este poema, que julgo exprimir bem o que me vai na alma:

CONFINAMENTO

O silêncio perfura o ar com um grito intenso.
Silencioso.
Silenciosamente intenso 
A ribombar no meu coração e entre as quatro paredes de mim.
A ribombar entre as quatro paredes de mim.
Atinge o meu coração e o meu cérebro.
E, como líquido peganhento de solidão,
escorre por todo o meu corpo.
A minha janela já não é o palco do meu encanto;
Perdeu o seu canto e o seu encanto.
Já não bordo a tela azul com os tons de verde esperança.
O azul e o verde perderam a sua cor
Emudeceram os pássaros cantores
E o elegante plátano já não cativa a minha atenção.
O silêncio perfura o ar com um grito intenso.
Silencioso.
Silenciosamente intenso 
A ribombar entre as quatro paredes de mim.
- É um poema bonito, amiga. Mas reflete uma energia anímica "rasteirinha", mulher! 
Tens de ultrapassar isso. Precisas de levantar esse ânimo. E tens armas para fazê-lo. 
Essa capacidade de traduzir sentimentos em palavras dá-te o poder de exorcizar os sentimentos negativos que te apoquentam. Usa-a, Susana! Exorciza as tuas dores. Põe cá fora o que te vai na alma e faz deste tempo nebuloso um tempo de criatividade e dádiva, com que nos podes maravilhar, como tão bem sabes fazer.
Lembras-te daquele livrinho de histórias infantis, que ofereceste no ano passado à Patrícia? 
Pois bem, como ela ainda tem dificuldades na leitura corrente, li-o com ela. E digo-te uma coisa: gostei de cada uma das suas histórias, pedagógicas e inspiradoras de bons sentimentos; mas a da Cadeira Mágica está excecional. Deve ser lida e interiorizada por pequenos e grandes.
Aquele sonho que levou Margarida a sobrevoar o rio desde a nascente à foz, admirar e deliciar-se com os pedaços lindos, saudáveis, harmoniosos, cheios de vida e de cor, tanto no leito como nas margens, e compará-los com os pedaços sujos, mortos, arrastando consigo para a morte a vida a eles subordinada, reflete uma análise cuidada dos sentimentos ambientais que é necessário incentivar nas nossas crianças, e, infelizmente, em muitos adultos também. 
É uma história muito real do que se passa com as vias hídricas nas mais diversas áreas deste nosso planeta. Infelizmente. E parece-me deliciosamente pedagógica, de leitura leve e agradável. É uma lição de amor à vida e à natureza. 
É uma história para crianças e adultos. Dos “oito aos oitenta”, diria eu: uns aprendem, outros reaprendem o que já perderam na euforia do provento rápido, sem olhar às consequências ambientais dos seus atos. 
Devia ser lida, interiorizada e meditada por adultos, em primeiro lugar, para fazê-los refletir nas suas atitudes egocêntricas e egoístas, e no mal que fazem aos próprios filhos e netos, que serão os herdeiros de tudo o que hoje fazemos a este belo planeta que nos serve de casa: “água mole em pedra dura…” ; depois deve ser lida pelas crianças, para que aprendam desde o início a amar e manter limpa e saudável a nossa casa global.
Gostei muito de lê-la, Susana. Levou-me a meditar sobre as minhas atitudes para com esta nossa casa, que nos envia os seus gritos de alerta cada vez mais diretos e com mais frequência, incentivando-nos a alterarmos o nosso relacionamento com ela na prática do dia-a-dia. E essa mudança necessita de ser atual. Já. A todos os níveis. Não podemos adiar mais a sua prática. Teremos de cuidar e preservar os rios, os lagos e toda a rede hidrográfica. A água é vida. Ao poupá-la e ao manter limpas e saudáveis as linhas circulantes e os lençóis freáticos, estamos a cuidar da vida na Terra, a preservar as vidas que suportam a nossa vida, para que continuemos a ser vida neste planeta. 
Tens muito para dar Susana. Procura preencher este tempo de confinamento e fazer dele um tempo de dádiva e de amor: cria e dá de ti o que tens em ti.
- Obrigada, Jorge. As tuas palavras são... nem sei que dizer. Fico muito feliz que tenhas gostado da minha humilde historiazinha. A intenção ao criá-la foi mesmo a de chamar a atenção para os problemas ambientais, particularmente no que respeita à poluição das águas. Foi criada para ser lida por crianças dos oito aos oitenta. E essa foi a resposta que dei à editora, na altura, quando achou que era um pouco “difícil” para as crianças, o que, sinceramente, não concordo. E agora vou ler-te mais um poema escrito ontem; pequenino para não cansar.
“A noite amanhece em silêncio.
Caminha pela minha casa em ondas sonoras de solidão
e propaga-se no tempo deste tempo sem luz,
deste tempo de nuvens espessas a toldarem o horizonte.
- Então, Susana! Não melhorou nada. Assim, não!
Quero ler poemas teus que falem de esperança, de vida, de vitória sobre esta situação perversa que vivemos sob o poder deste vírus maléfico, que tomou o mundo.

11/09/2020
(continua)

BOM DIA!


quarta-feira, setembro 09, 2020

REFLEXOS DESTE TEMPO - Março/Abril 2020 – PARTE I


Por Jeracina Gonçalves – Barcelos/Portugal

-Não sei que dizer-te, Jorge. Sinto-me aprisionada numa gaiola. Desmotivada, apática, sem vontade para nada.
Da sala para a cozinha, da cozinha para o quarto, do quarto para a janela, da janela para varanda, da varanda para o terraço… assim passo os meus dias. Dia após dia, de sol ou de chuva, sempre o mesmo ritmo. Dias e dias a olhar para as mesmas plantas, as mesmas árvores, as mesmas casas, os mesmos telhados, o mesmo retalho de céu, embora dinâmico e sempre diferente, ouvir o canto dos mesmos pássaros, que geralmente me embalam mas agora me enfastiam, caminhar pelos mesmos espaços, olhar as mesmas paredes, os mesmos móveis, os mesmos quadros, sem ver ninguém…
Ah! Jorge! Este confinamento entre as quatro paredes da minha casa acaba comigo em pouco tempo.
Ainda se houvesse mais alguém em casa com quem trocar ideias, jogar as cartas, o dominó, a batalha naval, mudar os móveis de sítio… Sei lá! Fosse o que fosse. Até mesmo para disparatar uma vez ou outra. Era ação, era movimento, era vida. Assim é tudo muito estático, muito parado, muito silencioso e por muito tempo. Só as vozes dos locutores da TSF me fazem companhia. Oiço todos os programas. São elas que me vão informando da evolução desta pandemia que afeta todo o mundo e me está a afetar deste jeito. E olha que bem me questiono: “Mulher, que se passa contigo?! Nunca foi complicado para ti ficares em casa, e sempre soubeste ocupar o tempo de forma a parecer-te pouco. Que se passa agora? Gostas de escrever, gostas de ler, gostas de costurar... 
Escreve, lê, costura!”
De nada me vale. Estou oca, vazia de ideias e de tudo.
Sento-me ao computador e nada aparece, nada me habita: nem uma palavra, nem uma frase, nem uma ideia me ocorre que me envolva a mente e me desperte a vontade de desenvolver qualquer texto minimamente apetecível. Pego num livro: não me encontro, não me concentro, as palavras fogem, a frase foge, o sentido da frase foge… Tudo escapa à minha atenção. Levanto-me. Vou até à cozinha, abro a porta do frigorífico (é ele que mais padece com estes meus ataques de solidão; abro-o uma infinidade de vezes ao longo do dia) e lá vão duas ou três metades de noz, uma maçã, uma banana… Sei lá! O que houver pronto a pegar. E isto vai pesando, pesando, pesando. Daqui a nada nem tenho roupa que me sirva. Do frigorífico vou até à janela da cozinha, olho o plátano majestoso em frente, que tanto me encantava e agora nada me diz; volto ao escritório, ao computador, ao livro… vou até à sala de estar, ponho um CD. Não tenho paciência para ouvi-lo. Cansa-me. Não me diz nada. Não sinto a emoção da música. Desligo-o e volto ao escritório e tudo se repete. Enfim: ando nisto dentro da minha casa, de um lado para o outro, sem acertar ideias nem encontrar a capacidade de me envolver em qualquer atividade. Nenhuma me cativa. Nem me reconheço, Jorge. Eu não era assim.
E, para cúmulo de tudo isto, neste isolamento que me é imposto por essa miserável partícula de uma substância qualquer, que nem vida tem, não tenho sequer uma televisão, onde possa encontrar uma fresta por onde possa fugir, momentaneamente, para outros ambientes mais apetecíveis, levada pelas imagens e pelas palavras que me entrem por essa janela do mundo. Avariou há dias. E agora não encontro sequer um técnico a quem possa recorrer para me resolver o problema.
- De facto, assim não deve ser muito fácil, não, Susana! Assim é complicado. A televisão é uma companhia. Traz-nos o mundo a casa. Embora, às vezes, mais valha desconhecermos o que vai pelo mundo. Está de tal jeito que ouvir as notícias e as desgraças que nos trazem só nos faz mal. Mas sempre há um ou outro programa de entretenimento que ajudam a passar o tempo. E, neste tempo, são importantes: permitem soltar umas boas gargalhadas de vez em quando e alargar o pensamento para lá do Covid-19, o que é manifestamente importante para a saúde, quer física quer mental. Uma boa gargalhada faz sempre bem; e agora ainda mais.
- É verdade. Se faz! E como eu sinto agora falta de uma boa gargalhada!
Nunca fui grande consumidora de televisão, no que respeita a sentar-me no sofá de olhos fitos no ecrã. Mas ligava-a de manhã e mantinha-a ligada pelo dia. Ia fazendo o que tinha a fazer e ia ouvindo. Se alguma coisa me despertasse mais interesse, parava o que estava a fazer e dava-lhe a devida atenção. Dessa forma esbatia o silêncio em meu redor, e tinha a ilusão de não estar só. Sentia gente à minha volta, ainda que do lado de lá do pequeno ecrã, e fazia-me companhia. 
Hoje apercebo-me da falta que me fazem essas vozes, esse barulho, essas imagens (ainda que nem sempre agradáveis), mas que me faziam sentir parte do mundo. Aconteciam no mundo que habito. E embora tenha passado essa missão para a TSF, que está sempre ligada cá em casa, é diferente. A imagem dá jeito. É um complemento importante da palavra. E lá diz o adágio: “Vale mais uma imagem que mil palavras”. 
Hoje sinto-me isolada, separada do mundo de que me habituei a fazer parte, do qual faço parte, mas do qual me chega pouco eco além do que é emanado pelo Covid19. 
A imagem não entra em minha casa. Apenas a palavra dos locutores e locutoras da TSF me vão fazendo alguma companhia. E eu, que até gosto (ou gostava) de estar em casa, sinto-a agora como uma prisão. E o que nunca foi para mim um fardo é agora vivido como um peso avassalador sobre a minha cabeça. E passa-se isto comigo, que sempre fiquei dias e dias seguidos entre as quatro paredes da minha casa, ocupada a fazer as minhas coisas, as coisas de que gosto, sem me aborrecer! Escrevia, costurava, arrumava, lia, passava uma vista de olhos pelo Facebook, pelo e-mail (tinha correspondentes que me enviavam imensos anexos divertidos e culturais: músicas, lugares, factos históricos, monumentos, enfim, coisas divertidas e úteis que me preenchiam o tempo de forma agradável, divertida e culta. Aprendi muito com essas coisas que recebia por e-mail de pessoas amigas, cultas, que me mereciam toda a confiança, amizade e respeito pelo seu saber. E sentia mesmo um enorme prazer em estar em casa sozinha, entretida com tudo isso. Não foram poucas as vezes que reclamei por falta de tempo, que parecia ganhar asas e desaparecia num ai. Não me chegava para nada, dizia eu. Não me chegava para o que queria fazer.
Agora tenho tempo a mais. E nem Facebook nem e-mail tenho, que seriam uma arma, ainda que pequena (ou grande, uma vez que me permitiria contactar com os meus amigos) para combater este isolamento.
Desde Julho de 2019 que não tenho Facebook nem e-mail
Devo ter açúcar ou melaço para atrair essas vespas invasoras, esses seres despersonalizados, que se escondem atrás de máscaras de letras e números para invadirem contas e vasculharem computadores em busca de algo que lhes possa dar rendimento, como o mel atrai as formigas. E cada e-mail novo ou conta do Facebook que tenho tentado criar ao longo deste quase ano, é imediatamente apanhada também. Assim como tudo o que escrevo. Alguém está a usá-lo em proveito próprio. Certamente. Tenho gasto rios de dinheiro em limpezas e reinstalações de computadores, e de nada vale. Pouco depois estão cá de novo. E, como deves calcular, tudo isto me cansa e me provoca esta desmotivação e esta dificuldade de assumir, com decisão, a necessidade de ficar em casa, e nada do que antes me agradava e que ainda posso usufruir, me absorve ou capta o meu interesse.
Mas, claro, anteriormente tinha a liberdade de poder sair quando me apetecesse, e isso  torna tudo diferente. Gosto de estar em casa, mas que nada me impeça de sair sempre que tenha vontade, sem preocupações do que possa acontecer. 
E julgo que toda a gente entenderá isso. 
Calculo que aconteça com todos.
Porém quando essa liberdade é coartada por um malfadado vírus, uma partícula insignificante de qualquer coisa sem vida, que o impõe e me impede de reger a minha vida como gosto e me apetece, tendo de me submeter aos seus caprichos, cria em mim uma resistência (julgo que inconsciente), enorme de obedecer a esse designo. Embora obedeça ao que está determinado, e fique em casa, pela minha saúde e pela dos outros; mas com grande desgaste mental e psíquico.
(Continua)

terça-feira, setembro 08, 2020


“No céu escuro sem luar”
Vejo  tristeza,  solidão;
A lua, com seu luar,
Dá ao céu outro condão.
Dá-lhe a magia e o sonho
De dois seres enamorados
Em passeio de mão dada
Bebendo o sussurro do mar.

O céu escuro, sem luar,
É triste, não digam que não.
Gosto do céu pintalgado
De pontos de luz cintilantes,
Ou não…
A Lua, de sorriso prateado,
No centro de tal efusão.

Estrelas, planetas, cometas
Constelações, nebulosas
Via Láctea, Três Marias,
Cassiopeia, Ursa Maior  
Pode também ser Menor…
Dão ao céu o tal encanto
Que enche o meu coração.
                                               Jeracina Gonçalves
                                               Barcelos/Portugal, 08/09/2020

domingo, setembro 06, 2020

A NUVEM QUE NAVEGA A TERRA



A nuvem que navega a Terra 
é negra, pesada
esconde da Humanidade o sol criador
e protetor
e impõe preceitos de doença e de dor
a caminharem sobre a Terra
por veredas e autoestradas
sem a latitude escolherem
nem sequer a longitude
todos os lugares lhe servem
para armar a sua tenda
impor o seu mister.

Seja no Norte ou no Sul
no Oriente ou Ocidente
propaga pelo planeta
sofrimento sem idade
sem credo sem sexo sem cor
seja rico seja pobre
letrado ou analfabeto
seu abraço é democrático
abraça qualquer um

Pelos caminhos da Terra
a nuvem negra pesada
acrescenta fome à fome
acrescenta dor à dor
deste mundo desigual
neste mundo sempre em guerra.

No entendimento Humano
algo deverá ficar
depois desta nuvem passar:
todos somos irmãos
no nosso destino final.
se unirmos as nossas mãos
potenciaremos as forças
contra os agentes do mal.
Jeracina Gonçalves
Barcelos, 08/07/2020

sábado, setembro 05, 2020

 Não gosto deste novo formato do blogue. E já o tinha dito. Por que foi alterado? 
Para mais uma vez me provarem que estão por aqui, que continuam a exercer domínio  sobre o que faço, sobre o que quero, sobre o que é meu?
Muito bem: voltem a colocar no ar o blog passado; o blog clássico que eu criei há um bom par de anos. Talvez então me volte a alegria de publicar alguma coisa interessante; talvez então me volte a vontade de comunicar emoções, sentimentos, pensamentos, imagens... quem sabe?  Talvez qualquer coisa volte a fazer-me cócegas no coração.
                                                                                                    Jeracina Gonçalves
                                                                                                    Barcelos/Portugal, 05/09/2020