... emana uma toada ronronante, embaladora que me apetece e me relaxa; toada terna de um mar amigo, bonacheirão:
aproxima-se, afasta-se, aproxima-se, afasta-se, ritmada, contínua, muito calma,
muito mansa…
Ao
longe, pequenos barcos de pesca fazem a faina na grande planície líquida que se
alarga para lá da linha do horizonte até à costa africana. Mais próximo, navegam
dois barquinhos à vela.
Aconchegada
sob a sombra protetora do guarda-sol de colmo, vou observando o vai e vem lento
das águas mansas e a enorme praia de areia macia, a esta hora quase deserta.
Contam-se pelos dedos das mãos as pessoas presentes: um casal joga badmington; duas crianças brincam na
areia com os seus baldinhos coloridos: um verde e outro amarelo, e, junto à
linha de água, onde a areia é mais rija e torna o caminhar mais agradável, caminham
mais ou menos, apressadas algumas pessoas.
.....
Fecho
os olhos.
Deitada
na espreguiçadeira deixo-me levar ao sabor do canto doce deste mar tranquilo, arrastada
pela sua voz mansa, melodiosa para os meus ouvidos, que me transporta pelos
caminhos da fantasia. Mergulho no interior do seu mundo silencioso, cheio de
vida e de mistério, em busca de mitos perdidos no emaranhado dos tempos; vagueio
por mundos de sonho. Mundos de fausto e de esplendor descritos por Platão
nos seus diálogos Timeus e Crítias, dormindo o sono profundo nas entranhas do
mar (pelo que deixou descrito o grande filósofo, não dormirão muito longe daqui);
percorro salões magnificentes por entre as suas colunas de jaspe e âmbar, de
palácios habitados por seres semidivinos, aparentados com os deuses, cheios de
sabedoria e de bondade. Seres que se deixaram enredar pelos “vícios” do poder e
perdendo a virtude e as características divinas, atraíram a fúria dos deuses. No
espaço de um dia e de uma noite de terramotos e inundações, pereceram para
sempre sepultados nas profundezas deste mar que me enfeitiça.
Mitos perdidos no
enredo dos tempos,
Engolidos por deuses em
fúria, habitam teu
Seio profundo. Jazem em
ti sepultados.
Mundos de Platão, por Aristóteles negados.
A praia começa a encher-se, transformando-se
numa enorme pinha de corpos besuntados, estendidos sobre toalhas coloridas na
areia. Já perdeu, para mim, bastantes dos seus atrativos. Há já demasiada confusão
para o meu gosto.
São
onze e meia da manhã. Regresso ao hotel.
HORIZONTE AZUL
Jeracina Gonçalves
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