Jorge
acordou hoje bem cedo. Vai começar a semana de praia da escola e, como todos os
colegas, anda ansioso com a antecipação das brincadeiras e aventuras que viverá
durante esses maravilhosos dias ao ar livre, na praia, com colegas e professores.
Correm, jogam a bola, apanham conchinhas e godos que depois utilizam na sala de
aula em trabalhos, fazem ginástica, dão passeios pelas dunas e observam as
plantinhas que por ali crescem e os caracóis pequeninos que nelas vivem
agarrados, fazem grandes “locas” e castelos de areia... Enfim! São manhãs bem
alegres e divertidas. E também instrutivas. Aprendem muitas coisas. Por isso a
ansiedade domina-o nestes dias que precedem a semana de praia. E, logo que o
dia começou a luzir, levantou-se, foi até janela e abriu-a de par em par.
O
espetáculo que vislumbrou no horizonte, em frente, naquela manhã de Junho,
deixou-o perfeitamente deslumbrado: uma grande bola alaranjada subia pelo
espaço e tingia com tons de fogo o azul límpido e transparente do céu, a
anunciar um dia cálido e luminoso, transbordante de energia, que deixava
antever a fantástica semana de praia que iriam ter.
“Como
é bonito!” – Exclamou.
Um
colega da escola, que um dia saíra muito cedo para ir à pesca com o pai, já lhe
tinha falado da beleza do nascer do Sol; mas nunca se tinha levantado
suficientemente cedo para vê-lo nascer. Hoje acordou cedo e ainda bem. Pôde
deliciar-se com este espetáculo e antegozar a linda semana de praia que se
aproxima. Gosta muito de ir à praia com os pais e com a irmã, mas gosta muito
mais de ir com a professora e com os colegas. É muito mais divertido.
No
ano passado andava a brincar com os colegas e viram a ponta de uma corda a sair
da areia. Puxaram... puxaram... e… nada. Não saiu. Escavaram em volta, fizeram
um grande buraco e continuaram a puxar, mas a corda manteve-se presa. Foram
chamar a professora: ajudou-os a puxá-la, mas continuou a não sair, e
desistiram.
“Se
calhar estava presa a alguma coisa muito pesada...
O
que seria?” – Disse baixinho.
-Jorge,
Jorge, não te arranjas? São quase horas de ires para a escola!
-Já
vou, mãe. Já vou.
Absorto
como estava nos seus pensamentos e nas recordações de praia do ano anterior,
esquecera-se completamente que tinha de se arranjar para ir para a escola; e
não gostava de chegar atrasado.
Correu
para a casa de banho, tomou um chuveiro rápido, e voltou ao quarto para se
vestir. Num instante estava na cozinha, preparado para tomar o pequeno-almoço.
A irmã, que já acabara e estava a levantar-se da mesa, disse-lhe:
-
Vê se te despachas, preguiçoso. Já é tarde. Sabes bem que a professora não
gosta que cheguemos atrasados!
Apressou-se
o mais que pôde: tomou rapidamente uma chávena de leite, comeu um pão com
manteiga, e correu a lavar os dentes. E “num abrir e fechar de olhos” estava
junto da irmã e partiram os dois a caminho da escola.
Iam
felizes. Gostavam da escola. Tinham muitos amigos e aprendiam coisas bonitas.
-Bom
dia! Dá licença senhora professora?
-Bom
dia! Sim, entrai. Hoje o sono pesou… Estais muito atrasados.
-Senhora
professora, já viu o Sol nascer?
-Já,
Jorge. Já vi o Sol nascer muitas vezes e é um espetáculo da Natureza muito
bonito, especialmente num dia límpido como o de hoje.
Mas
a que propósito vem isso?
-
Eu nunca tinha visto o sol nascer. Mas hoje acordei muito cedo e pude vê-lo nascer.
É
bonito. O céu à volta do Sol fica... cor de laranja… vermelho…brilhante...
É
lindo! Fiquei a olhar para o Sol e a pensar, e esqueci-me das horas.
Amanhã
é que vai ser bom, senhora professora!
-
Pois claro que vai ser bom. Não são bons todos os dias em que trabalhámos e
aprendemos juntos? Amanhã será também um dia bom, se Deus quiser - disse a
professora, que, no momento, não se lembrava da praia.
-
Todos os dias são bons, senhora professora. E eu gosto muito de vir para a
escola, de aprender coisas novas e de fazer os trabalhos; mas manhã começa a
praia.
-
Ah! Agora entendo! Tu acordaste cedo e esqueceste-te das horas porque andas a
pensar na praia. Viste um Sol tão bonito e ficaste a sonhar com o dia que
teremos amanhã.
-
Pois foi, senhora professora.
Lembra-se
daquela corda que encontrámos enterrada na areia, no ano passado?
Onde
estaria presa? Se calhar estava agarrada a algum saco de droga.
-
Oh!... Jorge! Que ideia! Como é que meteste isso na cabeça?
Estava
muito enterrada e pronto. Não tivemos força para desenterrá-la.
-
Eu já ouvi dizer que, muitas vezes, descarregam os barcos nas praias, enterram
a droga na areia e deixam um sinal a marcar o sítio para mais tarde irem
buscá-la. Aquela corda podia estar presa a algum saco de droga que os traficantes
enterrassem ali. Pensei muito nisso, hoje, senhora Professora. E este ano vou estar
bem atento a essas coisas. A droga é tão má, tão perigosa, e faz tanto mal às
pessoas. O António...
O
António é seu vizinho. Porta com porta. E a professora conhece-o muito bem.
Andou lá na escola e era um bom rapaz, inteligente e muito bom aluno. Agora,
com vinte anos, é toxicodependente e é um infeliz.
Levado
por outros rapazes mais velhos, há uns anos meteu-se a experimentar coisas…
coisas… Primeiro tabaco, depois outras coisas…
Até
já esteve preso.
Era
tão alegre, tão seu amigo: carregava-o às cavalitas, levava-o a passear de
bicicleta, jogavam a bola, contava-lhe histórias...
Gostava
muito dele. Agora nem chega perto. Os pais não deixam.
Tem
muita pena que se tenha deixado apanhar pela droga. Detesta-a. Há-de ter bem
cuidado para não se deixar apanhar por ela, quando for mais crescido. Tirou-lhe
o seu grande amigo.
-
Sim, o António é um infeliz que se deixou escravizar pela droga, e tenho muita
pena, Jorge. Era um rapaz inteligente, que podia ser muito útil à sociedade, e
anda por aí perdido.
Mas
essa tua ideia...
-Não
sei, senhora professora. Mas, às vezes, oiço dizer na televisão que aparece
droga nas praias. E se este ano encontrarmos uma corda assim presa, que não
saia, temos de contar à polícia, para que possa investigar.
-Está
bem, Jorge. Se encontrarmos alguma coisa que nos pareça suspeita faremos como
dizes. Tu tens razão. A droga destrói, escraviza, mata. E quando se apercebem
do buraco sem fundo onde se deixaram cair, querem deixá-la, querem sair daquela
escravidão e poucas vezes o conseguem. São seus escravos. A droga domina-os. Tira-lhes
a vontade. Quando não a têm, não conseguem pensar em mais nada, senão na maneira
de arranjarem-na. E fazem coisas que nunca fariam se fossem livres. Por isso
acontecem tantos assaltos a casas, a carros, tantos roubos por esticão e outras
coisas mais. A droga exige. Não lhes sai da cabeça. Precisam de muita força de
vontade, de muita ajuda e de muita compreensão e firmeza da família para
conseguirem libertar-se dela.
Tens
razão, Jorge, todos temos de lutar contra droga. Todos.
Temos
de denunciar tudo o que nos pareça suspeito.
Os
traficantes usam de todos os subterfúgios, conhecem todas as manhas e agem com
todas as cautelas para a introduzirem no País. E ela pode, realmente, estar
enterrada na praia, sob os nossos pés.
Mas,
o pior de tudo, é que a polícia investiga, procura, e só os pequenos
traficantes - os desgraçados que, muitas vezes, a traficam porque também são
escravos dela - são presos. Traficam-na para poderem sustentar o vício que
exige ser satisfeito. E, infelizmente, só esses são apanhados e condenados.
Os
grandes, os que enchem os seus cofres e engordam as suas contas bancárias no
país e no estrangeiro, os que vão enriquecendo à custa da destruição de muitos
dos jovens de hoje e de muitas das suas famílias, os que contribuem para que
muitas crianças venham ao mundo desprotegidas - sem o amparo de um pai, ou de
uma mãe, ou dos dois, nunca são apanhados. Mantêm-se na sombra. “Atiram a
pedra, mas nunca mostram a mão.” Provavelmente cruzamo-nos com eles no
dia-a-dia e julgamo-los pessoas muito honestas e respeitáveis. E, se calhar,
quantas delas não ocuparão altos cargos na sociedade: empresários dinâmicos,
pessoas “bondosas” e preocupadas com o bem-estar do seu semelhante, grandes
beneméritos, capazes de contribuíram com avultadas somas param obras
sociais..., e não passam de vampiros. Sugam o sangue de todos nós e vão enfraquecendo
a sociedade de hoje, ao destruir-lhes as crianças e os jovens adultos que
inadvertidamente se deixaram apanhar nas malhas da droga.
São
eles os maiores causadores da insegurança em que vive a sociedade
contemporânea. E não têm problemas de consciência. Só o dinheiro conta para
eles. Dá-lhes poder. É o seu Deus e resolve-lhes todos os problemas de
consciência. E, infelizmente, nesta nossa sociedade, o dinheiro compra tudo.
Tens
razão, Jorge. Temos de denunciar tudo o que nos pareça suspeito. Temos de estar
bem vigilantes para que todos os jovens, todos nós possamos sentir a emoção -
que tu hoje sentiste - de um “Nascer do Sol” radioso, que brilhe cheio de
energia e calor, em cada dia, no coração de cada um de nós.
Agora,
meus meninos, cada um vai imaginar como será o dia de amanhã - o primeiro dia
de praia - e construir um bonito texto.
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal
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