Li
há tempos um texto, em qualquer lado que já não sei precisar, que tinha por
título “o preço da água”. E esse texto trouxe até mim memórias desse precioso
líquido mineral, que é vida; pois, sem ele, a vida como a conhecemos não
existe. É um bem, sem preço, que a todos pertence, o qual todos temos o dever
de preservar e cuidar, tudo fazendo para mantê-la potável, veículo de saúde e
vida.
E
no leito das minhas memórias mais longínquas flui límpida, transparente, galhofeira
e viva a cantar por entre os pedregulhos do leito de montanha do pequeno rio da
minha infância. Desce alegremente por entre os socalcos verdejantes das margens,
ornamentados com flores amarelas, brancas e rosadas (pampilhos e boninas),
disseminando vida, beleza, força e alegria; cardumes de girinos agitam
freneticamente as suas compridas caudas numa azáfama de vida em permanente
crescimento, nas poças entre os fraguedos das margens onde se acalma um pouco,
e nós (eu e os meus irmãos) rimos e brincamos a tentar apanhá-los com as nossas
mãos pequenitas: escorregadios, escampam-se-nos ligeiros por entre os dedos,
sem que nos deixem concretizar os intentos; um pouco abaixo, no moinho da sua
margem direita, a sua força dá vida ao rodízio, que faz movimentar a mó para transformar
o grão em farinha…
Mas
outra imagem bem menos poética me traz também da minha infância, quando, como
no ano passado (2019), camiões cisterna distribuíram água potável por aldeias e
vilas do norte e do sul de Portugal. E vejo filas de mulheres e crianças
(durante os meses de verão) com cântaros de barro preto (barro de Bisalhães),
na fonte, à espera de vez para conseguirem um cântaro de água para cozinhar e
suster as necessidades familiares. Iam de madrugada para a fonte para tomar vez
e passavam horas à espera de se aproximarem da torneira, que debitava um débil
fiozinho desse líquido precioso, fonte de vida e de saúde. Depois de lá chegarem,
gastavam um tempo infinito para encher o cântaro.
Outras
me chegam também (estas bem mais actuais), quando o clima se apresenta mais
seco: a das carcaças dos animais mortos à sede e à fome na planície alentejana
quando, no ano seguinte a um ano de grande seca em Portugal, regressava do
Algarve. Assim como as imagens que nos entram pelos olhos trazidas pelas
televisões, de seres humanos esqueléticos, em regiões ressequidas, estéreis,
reduzidas a pó, a beberem água de charcos imundos, que me levam a clamar a Deus
piedade e me enchem o coração de dor por me saber impotente na sua solução. Ao
mesmo tempo que a revolta e a raiva me atingem também, pelos biliões gastos em
guerras pelos quatro cantos do mundo, que poderiam e deveriam ser usados para
solucionar muitos desses problemas; e também as imagens dos rios, dos lagos e o
próprio mar, reservatórios de vida, de alimento, de alegria, de saúde, de recreio,
de energia e de bem-estar, indispensáveis à vida e saúde humanas, repletos de
detritos de toda a espécie, que matam toda a vida que os habita e transmitem a
doença e a morte. E tudo e isto é fruto da ganância, da incúria, da
inconsciência e da ignorância do ser humano.
É
enorme a responsabilidade dos governantes deste tempo. Precisam de praticar e de
ensinar uma pedagogia de cultura ambiental. O mundo precisa de governantes comprometidos
e irmanados no mesmo objetivo de conjugarem harmoniosamente a sustentabilidade
da economia com a sustentabilidade da vida na Terra; governantes apostados em
incrementarem uma verdadeira pedagogia de solidariedade, livre de interesses
mercantis e agiotas camuflados de solidariedade.
A
verdadeira solidariedade não pede nada em troca. E respeita vida.
Os
governantes dos países ricos precisam de se envolver verdadeiramente no
desenvolvimento das regiões mais pobres e desfavorecidas, desmanteladas pela
fome, pelas guerras e pelas intempéries do clima.
O
mundo preciso da solidariedade dos países mais ricos para com os mais pobres; precisa
de distribuir melhor a riqueza; precisa de praticar uma agricultura mais
consentânea com saúde ambiental, usando, quando possível, o que a própria
natureza oferece para lutar contra as pragas e para fertilizar as terras. E,
mais uma vez, recorro à memória da minha infância, que me traz a imagem das
flores de trevo e de tremoço a vestirem alguns socalcos da minha terra de
montanha, especialmente onde predominavam oliveiras, para enterrar e
fertilizá-los.
Tal
como à vida, também não pode ser atribuído um valor monetário à água: é o
mineral, a joia mais preciosa à face da Terra, sem a qual não há vida. Não tem
preço.
É
preciso conservá-la, poupá-la, fazê-la chegar potável a todos os seres humanos.
A
água é vida. A água é saúde. A água é alegria. A água é energia. A água é
força.
Nós
somos mais de 65% de água. Se faltar ao nosso corpo, a morte sucederá em
pouquíssimos dias.
Jeracina Gonçalves
Julho/2020 - Barcelos, Portugal
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