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terça-feira, agosto 18, 2020

O PREÇO DA ÁGUA

Li há tempos um texto, em qualquer lado que já não sei precisar, que tinha por título “o preço da água”. E esse texto trouxe até mim memórias desse precioso líquido mineral, que é vida; pois, sem ele, a vida como a conhecemos não existe. É um bem, sem preço, que a todos pertence, o qual todos temos o dever de preservar e cuidar, tudo fazendo para mantê-la potável, veículo de saúde e vida.
E no leito das minhas memórias mais longínquas flui límpida, transparente, galhofeira e viva a cantar por entre os pedregulhos do leito de montanha do pequeno rio da minha infância. Desce alegremente por entre os socalcos verdejantes das margens, ornamentados com flores amarelas, brancas e rosadas (pampilhos e boninas), disseminando vida, beleza, força e alegria; cardumes de girinos agitam freneticamente as suas compridas caudas numa azáfama de vida em permanente crescimento, nas poças entre os fraguedos das margens onde se acalma um pouco, e nós (eu e os meus irmãos) rimos e brincamos a tentar apanhá-los com as nossas mãos pequenitas: escorregadios, escampam-se-nos ligeiros por entre os dedos, sem que nos deixem concretizar os intentos; um pouco abaixo, no moinho da sua margem direita, a sua força dá vida ao rodízio, que faz movimentar a mó para transformar o grão em farinha…  
Mas outra imagem bem menos poética me traz também da minha infância, quando, como no ano passado (2019), camiões cisterna distribuíram água potável por aldeias e vilas do norte e do sul de Portugal. E vejo filas de mulheres e crianças (durante os meses de verão) com cântaros de barro preto (barro de Bisalhães), na fonte, à espera de vez para conseguirem um cântaro de água para cozinhar e suster as necessidades familiares. Iam de madrugada para a fonte para tomar vez e passavam horas à espera de se aproximarem da torneira, que debitava um débil fiozinho desse líquido precioso, fonte de vida e de saúde. Depois de lá chegarem, gastavam um tempo infinito para encher o cântaro.
Outras me chegam também (estas bem mais actuais), quando o clima se apresenta mais seco: a das carcaças dos animais mortos à sede e à fome na planície alentejana quando, no ano seguinte a um ano de grande seca em Portugal, regressava do Algarve. Assim como as imagens que nos entram pelos olhos trazidas pelas televisões, de seres humanos esqueléticos, em regiões ressequidas, estéreis, reduzidas a pó, a beberem água de charcos imundos, que me levam a clamar a Deus piedade e me enchem o coração de dor por me saber impotente na sua solução. Ao mesmo tempo que a revolta e a raiva me atingem também, pelos biliões gastos em guerras pelos quatro cantos do mundo, que poderiam e deveriam ser usados para solucionar muitos desses problemas; e também as imagens dos rios, dos lagos e o próprio mar, reservatórios de vida, de alimento, de alegria, de saúde, de recreio, de energia e de bem-estar, indispensáveis à vida e saúde humanas, repletos de detritos de toda a espécie, que matam toda a vida que os habita e transmitem a doença e a morte. E tudo e isto é fruto da ganância, da incúria, da inconsciência e da ignorância do ser humano.
É enorme a responsabilidade dos governantes deste tempo. Precisam de praticar e de ensinar uma pedagogia de cultura ambiental. O mundo precisa de governantes comprometidos e irmanados no mesmo objetivo de conjugarem harmoniosamente a sustentabilidade da economia com a sustentabilidade da vida na Terra; governantes apostados em incrementarem uma verdadeira pedagogia de solidariedade, livre de interesses mercantis e agiotas camuflados de solidariedade.
A verdadeira solidariedade não pede nada em troca. E respeita vida.
Os governantes dos países ricos precisam de se envolver verdadeiramente no desenvolvimento das regiões mais pobres e desfavorecidas, desmanteladas pela fome, pelas guerras e pelas intempéries do clima.
O mundo preciso da solidariedade dos países mais ricos para com os mais pobres; precisa de distribuir melhor a riqueza; precisa de praticar uma agricultura mais consentânea com saúde ambiental, usando, quando possível, o que a própria natureza oferece para lutar contra as pragas e para fertilizar as terras. E, mais uma vez, recorro à memória da minha infância, que me traz a imagem das flores de trevo e de tremoço a vestirem alguns socalcos da minha terra de montanha, especialmente onde predominavam oliveiras, para enterrar e fertilizá-los.
Tal como à vida, também não pode ser atribuído um valor monetário à água: é o mineral, a joia mais preciosa à face da Terra, sem a qual não há vida. Não tem preço.
É preciso conservá-la, poupá-la, fazê-la chegar potável a todos os seres humanos.
A água é vida. A água é saúde. A água é alegria. A água é energia. A água é força.
Nós somos mais de 65% de água. Se faltar ao nosso corpo, a morte sucederá em pouquíssimos dias.
Jeracina Gonçalves
Julho/2020 - Barcelos, Portugal

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