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sábado, outubro 17, 2020

CRÓNICAS DO MEU CAMINHO

COGITAÇÕES DA ALMA – 14/12/2005 -Por Jeracina Gonçalves, Barcelos/Portugal

Sem qualquer sinal que o anuncie, quando menos se espera, a luz dá lugar à treva, o verde-esperança cede lugar à escuridão, como se forças cósmicas estejam acoitadas à espera de provocarem a derrocada; e a derrocada acontece. Destrói sonhos e levanta barreiras entre seres que antes se estimavam e se respeitavam. Cava fossos profundos de incompreensão, de animosidade e mata sentimentos que se julgavam firmes e ancorados em alicerces robustos, sólidos e resistentes. 
Como meras bolas de ping-pong, dispostas à vontade dessas forças invisíveis, somos jogados a seu bel-prazer neste espaço cósmico em que nos movimentamos. Manobram nossas atitudes, sentimentos e vontades. E, como folhas secas volteando pelo ar levadas pelo vento, somos arrastados para sítios esconsos, perversos, onde morrem espezinhados os nossos ideais, sentimentos e ilusões mais profundos e generosos. 

A vida, fera traiçoeira, 
Ataca e derruba 
Sem aviso prévio. 
Quando menos o esperas 
E na vida estás serena 
Domina o teu canto 
Tua doce ilusão 
o teu doce encanto 
E a casa, que crias segura, 
Bem depressa se converte 
Em triste montão 
De sonhos desfeitos 
Em cacos espalhados pelo chão. 

Como uma fera traiçoeira e sangrenta, a vida ataca e destrói os sonhos, os projetos, e o próprio edifício já construído. Transforma tudo num montão de sucata velha, sem préstimo. Lixo. E deixa na boca o sabor amargo da desilusão e da traição. É cobarde. A vida é cobarde! E, como todos os cobardes, ataca quando estamos desprotegidos, serenos, confiantes. Quando tudo à nossa volta parece bem iluminado e colorido. Seguro. 
A única forma de vencer os cobardes é voltarmos o nosso olhar firme e digno na sua direção. Olhá-los de frente, sem mostrar medo. A força, a verdade, a transparência do nosso olhar assusta-os. 
Do mesmo modo acontece com a vida. Também ela nos teme e obedece se a olharmos de frente, com coragem e determinação. Temos de olhá-la de igual para igual, sem mostrar temor. Olhá-la com o olhar firme de um coração livre, leal, que não se deixará vencer por mais golpes baixos que lhe sejam cravados. Sempre se levantará nobre, honesto, altivo e generoso. 
Sinto a minha alma abalada. Triste. Mas nela está a força para orientar meus passos e caminhar em frente. Sempre encontrei nela o ânimo para vencer as tempestades e vendavais da vida. Não me vai deixar mal desta vez. É apenas mais um. Mais um vendaval, que a minha alma terá de ultrapassar com coragem e dignidade, caminhando em frente, sem vender os seus princípios e integridade moral. 

Não sei se vou ou se volto 
Desta dor que em mim sinto 
Por este caminho agreste, solitário, que piso. 
Caminho pejado de pedras e silvados 
Que ferem e arranham os meus pés. 
Sujeitam os meus pés à dor, ao sofrimento, à gangrena… 
Talvez à morte. 

A minha alma é forte. 
Mas, como qualquer árvore ferida na raiz 
À qual é negado o alimento, 
A minha alma definha, à míngua, 
Açoitada pela sede e pela fome que a invadem. 

Não posso deixar que a morte fira a minha alma. 
Preciso de alimentá-la. 
Preciso de mantê-la viva, forte, sensível, 
Doce e terna, 
Impondo-se generosa perante a dor, 
Mesmo quando a dor a faz sangrar.
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal,17/10/2020

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