COGITAÇÕES DA ALMA – 14/12/2005 -Por Jeracina Gonçalves, Barcelos/Portugal
Sem qualquer sinal que o anuncie, quando menos se espera, a luz dá lugar à treva, o verde-esperança cede lugar à escuridão, como se forças cósmicas estejam acoitadas à espera de provocarem a derrocada; e a derrocada acontece. Destrói sonhos e levanta barreiras entre seres que antes se estimavam e se respeitavam. Cava fossos profundos de incompreensão, de animosidade e mata sentimentos que se julgavam firmes e ancorados em alicerces robustos, sólidos e resistentes.
Como meras bolas de ping-pong, dispostas à vontade dessas forças invisíveis, somos jogados a seu bel-prazer neste espaço cósmico em que nos movimentamos. Manobram nossas atitudes, sentimentos e vontades. E, como folhas secas volteando pelo ar levadas pelo vento, somos arrastados para sítios esconsos, perversos, onde morrem espezinhados os nossos ideais, sentimentos e ilusões mais profundos e generosos.
A vida, fera traiçoeira,
Ataca e derruba
Sem aviso prévio.
Quando menos o esperas
E na vida estás serena
Domina o teu canto
Tua doce ilusão
o teu doce encanto
E a casa, que crias segura,
Bem depressa se converte
Em triste montão
De sonhos desfeitos
Em cacos espalhados pelo chão.
Como uma fera traiçoeira e sangrenta, a vida ataca e destrói os sonhos, os projetos, e o próprio edifício já construído. Transforma tudo num montão de sucata velha, sem préstimo. Lixo. E deixa na boca o sabor amargo da desilusão e da traição. É cobarde. A vida é cobarde! E, como todos os cobardes, ataca quando estamos desprotegidos, serenos, confiantes. Quando tudo à nossa volta parece bem iluminado e colorido. Seguro.
A única forma de vencer os cobardes é voltarmos o nosso olhar firme e digno na sua direção. Olhá-los de frente, sem mostrar medo. A força, a verdade, a transparência do nosso olhar assusta-os.
Do mesmo modo acontece com a vida. Também ela nos teme e obedece se a olharmos de frente, com coragem e determinação. Temos de olhá-la de igual para igual, sem mostrar temor. Olhá-la com o olhar firme de um coração livre, leal, que não se deixará vencer por mais golpes baixos que lhe sejam cravados. Sempre se levantará nobre, honesto, altivo e generoso.
Sinto a minha alma abalada. Triste. Mas nela está a força para orientar meus passos e caminhar em frente. Sempre encontrei nela o ânimo para vencer as tempestades e vendavais da vida. Não me vai deixar mal desta vez. É apenas mais um. Mais um vendaval, que a minha alma terá de ultrapassar com coragem e dignidade, caminhando em frente, sem vender os seus princípios e integridade moral.
Não sei se vou ou se volto
Desta dor que em mim sinto
Por este caminho agreste, solitário, que piso.
Caminho pejado de pedras e silvados
Que ferem e arranham os meus pés.
Sujeitam os meus pés à dor, ao sofrimento, à gangrena…
Talvez à morte.
A minha alma é forte.
Mas, como qualquer árvore ferida na raiz
À qual é negado o alimento,
A minha alma definha, à míngua,
Açoitada pela sede e pela fome que a invadem.
Não posso deixar que a morte fira a minha alma.
Preciso de alimentá-la.
Preciso de mantê-la viva, forte, sensível,
Doce e terna,
Impondo-se generosa perante a dor,
Mesmo quando a dor a faz sangrar.
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal,17/10/2020
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