A ÁRVORE NÃO MORREU – Por Jeracina Gonçalves - Barcelos/Portugal
Lentamente a árvore envelheceu. Envelheceu devagar. Pouco a pouco. Sem pressas, dando provas da fibra de que era feita: primeiro um ramo morreu, depois outro e outro e outro… e outro…
Foi amputada, desmembrada, e corajosamente se renovou e continuou em frente cheia de alegria, de força, amando e acarinhando quantos dela se aproximavam. Mas o tempo não desistiu de levá-la consigo: levou-lhe o viço e o vigor. E a velha árvore não encontrou mais energia para enfrentá-lo, para debater-se com ele. Deixou-se vencer e foi nos braços do tempo. O seu sangue deixou de alimentar-lhe o corpo cansado; deixou de circular nos seus vasos. Paralisou. E a velha árvore, esgotada, morreu.
Porém a sua vida não foi vã. Teve uma vida longa, plena e espalhou amor e bem-estar pelos que dela se aproximaram: alimentou e abrigou pássaros, formigas, gafanhotos e todos os demais bichinhos que nela procuraram sustento e abrigo; floresceu e frutificou, e anos e anos a fio ofereceu a graça da sua copa florida ao espectador sensível, rendido à sua beleza, e o sabor dos seus frutos mataram a fome e a sede a passantes famintos e sequiosos; a sombra amena dos seus ramos acalmou a canícula nos dias ardentes de Verão e abrigou risos e gritarias de crianças, que sob a aprazível sombra da sua frondosa copa, brincaram, riram, choraram, jogaram à bola, à patela e muitos e muitos outros jogos inventados pela suas jovens e criadoras imaginações; e quantos e quantos segredos, quantos e quantos beijos, quantos e quantos abraços e juras de amor foram trocados com a cumplicidade da sua ramagem frondosa! Foi conivente de amantes e de apaixonados. Foi casa, foi alimento, foi abrigo de tantos e tantos seres. Com sua beleza transformou e iluminou a paisagem ao longo das quatro estações, por muitos e muitos anos. Sempre diferente; mas sempre igualmente bela.
Radiosa e coquete na Primavera, plena e intensa no Verão, adulta e completa durante o Outono, sonolenta e cansada no Inverno. E multiplicou-se: as suas raízes estenderam-se sob a terra e, curiosas, emergiram aqui e acolá, dando origem a outras como ela; os seus frutos transportados pelas águas, pelos pássaros e por outros seres que a habitaram, levaram a sua semente a distâncias longínquas. Por lá germinaram e deram origem a filhas iguais a si.
Os seus genes dispersaram-se por largas áreas e por aí cresceram e se multiplicam os seus descendentes. Viveu, e a sua vida deu vida a muitos e muitos seres. O tempo fez parar o sangue em seus vasos, mas a árvore continua viva nas descendentes dispersas pelos espaços onde chegou a sua semente e nos seres que alimentou, aos quais deu vida.
A árvore não morreu.
Jeracina Gonçalves
21/10/2020
PS: Este texto foi escrito há uns anos. Julgo que está publicado numa das revistas do Lions Clube de Barcelos. Hoje encontrei-o numa pen que já não abria há algum tempo. Resolvi publicá-lo.
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