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quinta-feira, julho 24, 2014

ESCUTANDO O SILÊNCIO


Levantei-me da mesa de trabalho, fui à cozinha, peguei um copo de água, abri janela e fui tomando pequenos goles enquanto respirava o ar fresco e limpo da madrugada e admirava as copas das árvores, em frente, pintalgadas pelas cores quentes, que as enfeita na linda estação do Outono, e o céu raiado em tons de azul, rosa e laranja, a pressagiar, neste agradável amanhecer de finais de Outubro, um dia claro e bem ensolarado.
Dormi mal. Sem motivo aparente, sem qualquer razão consciente que a pudesse motivar, a insónia instalou-se teimosamente e, depois de voltas sobre voltas na cama, às cinco da manhã levantei-me e fui sentar-me em frente às teclas do meu computador – o meu fiel companheiro em noites como esta - ligando-o distraidamente, sem um objetivo definido de trabalho, mas, e apenas, para sentir em meu redor algum ruído que iludisse a solidão que sentia em mim e parecia querer invadir-me toda a alma.
Comecei por abrir o correio eletrónico e, distraidamente, principiei a abrir alguns e-mails mais recentes. Porém rapidamente desisti. Não estava motivada para esse tipo de atividade. Não me dominava a mente, não lhe ponha freio. Sentia-a inconstante e aérea como um pássaro sem poiso. Precisava de algo que a envolvesse no seu todo. Algo que captasse por inteiro o meu interesse e atenção. Resolvi então abrir uma “página” do Word, e a página em branco, despojada e submissa sob o meu olhar, convidou-me a verter sobre o seu corpo nu, em palavras simples, tudo o que o meu pensamento ia construindo no silêncio em redor. Rapidamente os meus dedos começaram a bater as teclas à velocidade do meu pensamento, que corria célere e, com os fios de seda da minha imaginação, em caracteres escuros e encadeados uns nos outros, fui tecendo o vestido que depressa cobriu a nudez do corpo branco da página, que tão tranquila e confiadamente havia exposto a sua nudez sob o meu olhar volúvel e inconstante.
Agora, em frente à janela, deixo o pensamento discorrer filosoficamente sobre o quanto o silêncio de uma sala fechada tem para nos dizer se soubermos e quisermos escutá-lo. Atentamente. Há um conteúdo riquíssimo de sons, cheiros, imagens e vivências, quer vindas do interior de nós mesmos, de onde crescem e transbordam, perdendo-se irremediavelmente se não tivermos a capacidade de rapidamente as agarrar, quer vindas dos objetos que nos rodeiam e nos dizem inúmeras e inestimáveis coisas da nossa existência, da nossa individualidade como Ser, dos nossos sentimentos, das nossas vaidades, das nossas dores…, e são inaudíveis no meio da barafunda do dia-a-dia. E, muitas vezes, são purgas na nossa vida, aliviando-a e preparando-a para novas vivências, mais ou menos positivas que o dia-a-dia nos traz e teremos de acatar. 
Sejam elas boas ou não.
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal, Outubro/2011

PS: Em romagem pelas pastas do meu computador, encontrei este texto que resolvi publicar agora. JG

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