Levantei-me da mesa de trabalho,
fui à cozinha, peguei um copo de água, abri janela e fui tomando pequenos goles
enquanto respirava o ar fresco e limpo da madrugada e admirava as copas das árvores, em
frente, pintalgadas pelas cores quentes, que as enfeita na linda estação do
Outono, e o céu raiado em tons de azul, rosa e laranja, a pressagiar, neste agradável
amanhecer de finais de Outubro, um dia claro e bem ensolarado.
Dormi mal. Sem motivo aparente,
sem qualquer razão consciente que a pudesse motivar, a insónia instalou-se
teimosamente e, depois de voltas sobre voltas na cama, às cinco da manhã
levantei-me e fui sentar-me em frente às teclas do meu computador – o meu fiel
companheiro em noites como esta - ligando-o distraidamente, sem um objetivo
definido de trabalho, mas, e apenas, para sentir em meu redor algum ruído que iludisse
a solidão que sentia em mim e parecia querer invadir-me toda a alma.
Comecei por abrir o correio eletrónico
e, distraidamente, principiei a abrir alguns e-mails mais recentes. Porém rapidamente
desisti. Não estava motivada para esse tipo de atividade. Não me dominava a
mente, não lhe ponha freio. Sentia-a inconstante e aérea como um pássaro sem poiso. Precisava de
algo que a envolvesse no seu todo. Algo que captasse por inteiro o meu
interesse e atenção. Resolvi então abrir uma “página” do Word, e a página em
branco, despojada e submissa sob o meu olhar, convidou-me a verter sobre o seu
corpo nu, em palavras simples, tudo o que o meu pensamento ia construindo no
silêncio em redor. Rapidamente os meus dedos começaram a bater as teclas à
velocidade do meu pensamento, que corria célere e, com os fios de seda da minha
imaginação, em caracteres escuros e encadeados uns nos outros, fui tecendo o
vestido que depressa cobriu a nudez do corpo branco da página, que tão
tranquila e confiadamente havia exposto a sua nudez sob o meu olhar volúvel e
inconstante.
Agora, em frente à janela, deixo
o pensamento discorrer filosoficamente sobre o quanto o silêncio de uma sala
fechada tem para nos dizer se soubermos e quisermos escutá-lo. Atentamente. Há um
conteúdo riquíssimo de sons, cheiros, imagens e vivências, quer vindas do
interior de nós mesmos, de onde crescem e transbordam, perdendo-se irremediavelmente se não tivermos a capacidade de rapidamente as agarrar, quer
vindas dos objetos que nos rodeiam e nos dizem inúmeras e inestimáveis coisas da nossa existência, da nossa individualidade como Ser, dos nossos sentimentos,
das nossas vaidades, das nossas dores…, e são inaudíveis no meio da barafunda
do dia-a-dia. E, muitas vezes, são purgas na nossa vida, aliviando-a e preparando-a
para novas vivências, mais ou menos positivas que o dia-a-dia nos traz e teremos
de acatar.
Sejam elas boas ou não.
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal, Outubro/2011
PS: Em romagem pelas pastas do meu computador, encontrei este texto que resolvi publicar agora. JG
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