Pesquisar neste blogue

quarta-feira, outubro 03, 2018

  AOS PONTAPÉS DA VIDA

"...corre-lhe no sangue - diziam. Este miúdo foi feito para o mar. Não fosse ele feito no mar. Aquele malandro do pai apanhou-a novinha, tenrinha, sem ninguém para defendê-la, serviu-se dela e largou-a. Um malandro!» - Dizia o pescador Zacarias sem se aperceber que eu andava por ali e entendia tudo. E continuava: «Aquela miúda ficou sozinha muito nova. O pai, o António da Rita, era um pescador destemido e corajoso, mas o mar é impiedoso quando se zanga. É um dono todo-poderoso quando se enfurece de verdade. Não há força que lhe resista. Levou-o consigo bem cedo. Muito cedo! Um homem novo, bem-parecido, cheio de força…, e lá foi na flor da vida. Aconteceu durante um temporal ao largo de Peniche. O barco afundou-se e ficaram por lá cinco. Entre eles, o António da Rita, o pai dela. E já o pai dele, que saía com o meu pai à pesca da sardinha por essa costa afora, por lá ficou também. Assim como o meu pai.
É a sorte dos homens do mar. O mar nos dá tudo e nos leva tudo, também. Até a própria vida.
E a mulher dele, coitada, foi quase a seguir vitimada pela tuberculose, que surgiu nessa época e levou consigo muita gente. A miúda ficou só com uma avó cansada e vencida pelas desventuras que a vida, cruel, lhe foi impondo, levando-lhe em pouco tempo o marido, o filho e a nora. E também ela partiu, quando a miúda, criança de quinze anos, com a barriga a crescer, mais precisava de uma mão feminina, amiga, que a orientasse e a guiasse pelas veredas traiçoeiras da vida. Ficou a viver sozinha naquela casinha da praia. Fazia um recado a este, outro àquele… e lá foi vivendo até que o rapazito nasceu. Gosto dele como se fosse meu neto. A minha Zulmira apoiou-a muito. Ajudou-a e ajuda-a no que pode. Dá-lhe os seus conselhos. E ela cresce bonita, sempre alegre, apesar das biqueiradas que, tão nova, já recebeu da vida. Amiga e cordial com todos, sem aceitar maior intimidade de nenhum, vai vivendo e crescendo a cuidar do filho. Uma flor!
E aí está o miúdo. Olha pra ele: o mar está-lhe no sangue. Não fosse filho e neto de pescadores! Vê-se mesmo que a paixão pelo mar corre-lhe nas veias. Domina-o já. É o seu destino, a sua vocação.”


Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal
"in" HISTÓRIA DE GENTES SIMPLES,
livro Solidário, totalmente a favor do Projeto de Bolsas de Estudo do Lions Clube de Barcelos.
Poderá pedi-lo através da página do Lions Clube de Barcelos, aqui, por mensagem privada para a autora, Casa do Professor de Braga pelo mail jeracina.g@gmail.com

https://libros.cc/Historias-de-Gente-Simples.htm

Sem comentários: