Embora este texto, que me chegou através da Newsletter da Universidade do Porto, não tenha por título "Segurança Alimentar", parece-me implícito na reflexão da Exma. Senhora Vice-Reitora para a Cultura, Museus e Editora da mesma, que aqui vos deixo. Jeracina Gonçalves, Barcelos/Portugal
No início da década de 60 do século passado, Roland Barthes foi dos primeiros teóricos a chamar a atenção para o assunto: a alimentação é um signo, um sistema de comunicação de situações e comportamentos. O café que combinamos tomar com os nossos amigos vale mais pela função que cumpre do que enquanto substância. A alimentação é um ato cultural.
Massimo Montanari explica bem a situação: a comida é cultura quando é produzida, pois não nos limitamos a ingerir os elementos que encontramos na natureza; a comida é cultura quando a preparamos, pois transformamo-la através das artes culinárias; e é cultura quando é consumida, pois comemos sempre em função de critérios económicos, nutricionais ou até mesmo religiosos. Vivemos numa sociedade que se caracteriza, como sublinha Michael Pollan, por uma “ansiedade por comida”. Não é que este problema seja novo: o que é novo é que já não estamos nas mãos das mulheres, que tradicionalmente cozinhavam as refeições para as famílias e produziam muitos dos produtos ou os escolhiam criteriosamente nos mercados locais; estamos, antes, nas mãos dos cientistas da alimentação que manipulam geneticamente animais e plantas para que possam ser preparados e processados ao longo do ano – e estamos nas mãos das grandes empresas que distribuem os produtos e que são, na verdade, quem decide o que comemos. A alimentação que, no tempo em que as mulheres tinham autoridade na cozinha, era um ato de confiança, tornou-se hoje, para muita gente, um ato de desconfiança. Ir às compras é um ato político. Mas a escolha é apenas possível em função do poder económico do comprador. Enquanto ato cultural, a alimentação conta histórias de migração, de assimilação e de resistência; enquanto ato económico, a alimentação conta muitas vezes histórias de resignação; enquanto ato político traduz princípios éticos e de justiça – e comporta a ideia de que, individualmente, podemos contribuir para fazer a diferença. Estas reflexões vêm a propósito da sessão “Pela boca morre o planeta: a salvação à distância de uma dentada”, promovida pelo Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto no âmbito de “Diversidades: Ciclo de Conversas sobre Biodiversidade e Sustentabilidade Ambiental”. Sim, esta é também a missão dos museus universitários: identificar problemas, apontar caminhos – e mostrar que, muitas vezes, as soluções passam por nós. Fátima Vieira Vice-Reitora para a Cultura, Museus e Editora
Da Newsletter da Universidade do Porto
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