Afinal, parece que Cleópatra não era bonita, ou melhor – e dizendo-o com as letras todas –, era feia, mesmo: não era apenas o nariz que era grande e curvado para baixo; tinha a cara angulosa, os lábios demasiado finos – suspeita-se que com algum defeito – e o queixo proeminente. É assim que está representada em moedas da época; e textos coevos denunciam um buço bastante espesso. Como é então possível que Shakespeare a tenha retratado como uma Vénus, por quem Júlio César e Marco António se apaixonaram perdidamente, e que Joseph L. Mankiewicz tenha convidado Elizabeth Taylor, no auge da sua beleza, a desempenhar o papel da rainha do Egito no icónico filme de 1963? É que o poder de Cleópatra advinha não da sua beleza, mas da sua poderosa inteligência. A sociedade egípcia de então concedia às mulheres oportunidades de educação muito superiores às que tinham as mulheres romanas, que eram vistas como inferiores aos homens. Cleópatra falava dez línguas e estudara ciência, geografia, geometria, aritmética e as artes da oratória, entre outras disciplinas. Não admira, pois, que César e António se tenham sentido surpreendidos, intrigados e deslumbrados com a sua cultura e inteligência. Para a historiografia romana, contudo, a situação era inaceitável – e a história que ficou para a posteridade foi a de uma rainha-meretriz, castradora e calculista, que enfeitiçou, com a sua beleza e suspeitas artes de sedução, os dois grandes nomes de Roma. Hoje, volvidos dois milénios, esta matriz de leitura do poder das mulheres infelizmente não se alterou em muitas sociedades, e por isso são mais relevantes do que nunca eventos globais como o Fórum Geração Igualdade, o maior encontro feminista do milénio, realizado esta semana em França, depois de a primeira parte ter ocorrido em março no México. O Fórum partiu de uma pergunta pertinente: que progresso foi registado, no que respeita à igualdade de género, nos últimos vinte e cinco anos, desde a Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres e a adoção da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim? O discurso do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, evidenciou que há muito a fazer num mundo que é ainda dominado pelos homens e que tem uma cultura claramente patriarcal; Emmanuel Macron lembrou o autêntico retrocesso que alguns países estão a viver na caminhada pela igualdade de oportunidades; e ambos sublinharam o agravamento da situação das mulheres com a pandemia de COVID-19. Phumzile Mlambo-Ngcuka, Diretora-Executiva da ONU Mulheres, fez uma declaração que é evidente: as mulheres ocupam ainda um quarto dos lugares na administração, no parlamento, na participação em negociações sobre o clima e a paz – e um quarto não é suficiente; UM QUARTO NÃO É IGUALDADE. De vez em quando é importante pormos em evidência verdades de La Palice como esta. Esperemos que o Plano Mundial de Aceleração para a Igualdade surta resultados rápidos. É que precisamos mesmo de acelerar. Fátima Vieira Vice-Reitora para a Cultura, Museus e Editora
Publicado por: Jeracina Gonçalves Barcelos/Portugal, 04/07/2021 |
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