O meu olhar perde-se num ponto neutro da parede branca, em frente, olha através dele e fixa-se na frase
“Que farei no primeiro dia do resto da minha vida.”
Registei-a, quando, ontem, online, folheei a Revista do Montepio. Está lá. Foi proposta à consideração de quatro pessoas diferentes; quatro pessoas que através dela teceram algumas considerações sobre este tempo perverso, que a todos alterou e altera o ritmo das suas vidas, nestes dezoito meses decorridos.
Quatro anseios expostos para esse primeiro dia em que possamos livremente circular, beijar, abraçar, sem que tenhamos a trela do Covid-19 a frenar o desejo de manifestarmos os nossos sentimentos às pessoas que nos são queridas, nem a delimitar-nos o desejo de viajar, de ir ao teatro, ao cinema, ao restaurante com amigos… Viver! E dei-me conta de quanto na minha vida morreu nestes dezoito meses decorridos, passados entre as quatro paredes da minha casa. Muito da minha vida morreu. Morreu para sempre. Jamais terei tempo para recuperá-lo. Este tempo sempre igual, que não distingue domingos de dias de semana, tiraram de mim o que a vida tinha e tem de mais importante, de mais belo, de mais rejuvenescedor. Tiraram-me o riso, a gargalhada espontânea, o convívio com a minha família, com os meus amigos, com os lugares que amo e todas as coisas que mais e melhor a preenchiam e lhe davam sabor.
“Que farei no primeiro dia do resto da minha vida?”
Farei o que a vida me permitir fazer. Mas o que mais gostaria de fazer seria abraçar os meus filhos, as minhas netas e o meu neto, até que o meu coração transbordasse esse sentir de seus corpos ao meu corpo abraçados, de que se sente tão sedento; depois reunir-nos-íamos num almoço de risos e alegria.
Mas como realizar esse anseio, se eles estão por aí, pelo mundo?
Mesmo assim, não tenho o direito de lastimar-me. Terei por perto a minha filha e a minha neta para saciar este anseio profundo do meu coração: poder abraçar livremente os seres que amo. Juntarei todos os pedaços da vida que me restam num cocktail de esperança e beberei a esperança com a alegria de estar viva e todos os dias assistir ao colorido da luz a iluminar o horizonte e ao gorjear dos pássaros saudando o amanhecer. Abraçarei a minha filha e a minha neta num abraço infinito que devolva ao meu coração cansado e sedento de afeto, o calor que o anime e o faça bater mais forte.
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal, 25/07/2021
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