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quinta-feira, setembro 17, 2020

CRÓNICAS DO MEU CAMINHO


 “O HOMEM PÕE E DEUS DISPÕE” 

O destino era Cuba. Um destino há muito pensado e desejado, inscrito nos planos de férias, que iríamos finalmente concretizar. Seriam umas férias em família. Ia toda a família: filhos, genro e netas. 

No dia aprazado para o embarque – doze de Agosto – incorporados numa fila de bandeirinhas triangulares, cor de laranja a oscilar no “mastro” de carrinhos carregados de malas e malotes, seguíamos nós com os filhos, o genro e as netas, em direção ao balcão do check-in, no aeroporto Sá Carneiro. 
-Vão para Cuba? Vão gostar. As pessoas são alegres, simpáticas, e a ilha é muito bonita. Estivemos lá no ano passado. Gostámos muito. Alugámos uma carrinha de nove lugares (éramos nove pessoas) com um condutor, que era também guia, e percorremos a ilha toda. É lindíssima. E as pessoas têm um ar saudável, bem-disposto… – Dizem-nos amigos, entretanto encontrados. 
Fico ainda mais entusiasmada e ansiosa por partir. Quero encantar-me com a beleza da ilha e a simpatia das pessoas; quero confirmar com os meus próprios olhos se tudo é realmente assim, ou será apenas uma espécie de romantismo e simpatia pela resistência notável da ilha ao bloqueio económico imposto pelos Estados Unidos. 
Feito o check-in, embarcámos. Às treze horas em ponto o avião descola. Logo depois navega entre o azul do céu, onde flutuam pequenos farrapos de nuvens brancas, e o azul do mar. Rapidamente ganha altura e prossegue a rota serenamente. 
Às oito e meia da noite (hora de Portugal), após sete horas e meia de voo tranquilo, aterra no aeroporto de Punta Cana onde está prevista uma escala de uma hora e dez minutos para desembarcar os passageiros que ficarão aí e embarcar outros, que já terão gozado as suas férias e estão de regresso a Portugal, e render a tripulação. Porém, nesse tempo, não será permitido o desembarque dos passageiros em trânsito. Teremos de suportá-lo no interior do avião, o que me parece bastante desagradável devido ao calor que se fará sentir, uma vez que o ar condicionado será desligado. Mas nada há que se possa fazer. É assim. Há que ter paciência e esperar. 
O tempo passa. Quem deveria desembarcar, desembarcou, mas os 80 passageiros que deveriam embarcar, não entram. Começamos a interrogar-nos sobre o que terá acontecido, sem que consigamos descortinar qualquer resposta. Ninguém diz nada. O calor é insuportável. Há grande acumulação de passageiros junto às portas para receberem um pouco mais de ar, mas não é permitido, sequer, chegar ao patamar da escada de embarque/desembarque, e toda a gente se abana com tudo o que lhe vem à mão: papéis, revistas, jornais… Então, com crianças de colo (o caso das netas), é tudo muito mais desagradável. 
“O aeroporto de Varadero está fechado devido a um furacão que assola a ilha. Vamos ter que esperar que a tempestade acalme”, diz o Comandante, largo tempo depois. 
Enfim alguém nos diz alguma coisa. Não era sem tempo! 
Invade-nos uma onda de apreensão, claro, mas teremos de esperar com paciência alguma melhoria de tempo. É melhor estarmos em terra do que sermos apanhados pela tempestade no ar. 
“A tripulação já foi contactar o representante da vossa agência”- disse também o Comandante, pouco depois.  "Espera-se que tudo se resolva da melhor forma.” 
Se ao menos, nos deixassem sair do avião – expressamos entre nós – seria bastante mais confortável a espera. Assim está insuportável. Este calor é aflitivo. 
Porém o tempo passa e nada mais acontece. Nada muda e ninguém nos diz nada. Até que… 
“O aeroporto de Varadero já abriu. Vamos proceder ao embarque dos passageiros e descolaremos em seguida” – diz de novo na voz do Comandante. Pouco depois começam a entrar os 80 passageiros que estão de regresso a Portugal. 
Embarcados estes, tudo continua como antes. O avião continua sem se mexer. 
“Por que não descolamos?” 
Interrogamo-nos uns aos outros, mas ninguém sabe a resposta. 
O nervosismo acentua-se. O calor aumenta. São agora mais 80 pessoas no interior do avião, parado na pista, sob o sol tropical, sem ar condicionado. E o desconhecimento do que está a acontecer deixa-nos cada vez mais ansiosos. A tensão cresce. Há quem se sinta mal. Entra um indivíduo com uma pasta, que alguém diz ser médico. Vai lá para trás, lá para o fundo do avião. Alguém se sentiu aí mal e está a precisar de ajuda médica. Esta espera é muito desgastante, e ainda mais por não se saber a razão dela. Há mesmo quem dirija palavras menos agradáveis a alguns elementos da tripulação, que, coitados, não têm culpa nenhuma e estão tão ansiosos quanto nós. 
“Estamos à espera da tripulação, que nos virá render. Já foi avisada. Chegará a todo o momento” – fala de novo o Comandante. 
Porém a tripulação não chega e começam os comentários: 
“Pois, o aeroporto estava fechado, aproveitaram para ir à praia” – dizem uns. “Isso seria uma grande falta de profissionalismo. Deviam estar no seu posto para o que desse e viesse” – contrapõem outros. 
O tempo vai passando… 
Só duas horas e cinco minutos após a aterragem, às vinte e três e vinte e cinco – hora de Portugal –, a tripulação, que deverá render a que foi de Portugal, começa a embarcar. Todavia, embarcada, nada acontece. Tudo continua exatamente como antes. 
Estamos já no dia treze de Agosto, uma hora e dez, hora portuguesa, e nada se alterou: continuamos na pista sem que sejamos informados seja do que for. O calor cria um ambiente cada vez mais desagradável e tenso, os ânimos aquecem ao rubro, e algumas pessoas descontrolam-se. Talvez por isso, pouco depois, o avião começa a rodar lentamente pela pista. Avança, toma maior velocidade, mas não chega a descolar. O comandante repete por algumas vezes que está à espera de autorização da Torre de Controlo, e voltamos ao ponto de onde havíamos saído minutos antes. 
De novo se ouve o Comandante, algum tempo depois, dizendo: “Estamos em contacto com a Torre de Controlo e com Lisboa. Vamos desembarcar e descansar um bocadinho. 
E começamos então a desembarcar para uma sala do aeroporto, após cinco horas e meia metidos num avião, parado na pista, sob um sol tórrido. Encontramos finalmente aí algum conforto, na medida em que há cadeiras para todos, é razoavelmente espaçosa e climatizada, e há onde possamos comprar uns cachorros quentes, umas bebidas e café. E somos entretanto informados de que há um furacão sobre Varadero, o aeroporto está fechado, e dado não se poder prever o tempo que durará a tempestade, nem os estragos que deixará, fora decidido pelos Diretores das Agências, que regressaríamos ao Porto no mesmo avião. 
A esta notícia sentimo-nos como se fôssemos engolidos pelo degelo de uma montanha. Regressar? Fazer a viagem, agora, de volta? Não! Tem de haver outra solução. 
Toda a gente protesta. Mas de nada vale. Às doze horas do dia treze de Agosto, após seis horas e meia de voo de regresso, aterrámos no aeroporto Sá Carneiro, de onde tínhamos saído às treze horas do dia doze. 
Fomos tomar um café ao aeroporto de Punta Cana e regressámos. O que não é para toda a gente! 
Ainda não foi desta vez que visitei Cuba. 
Um dia será, se Deus quiser. 
“O homem põe e Deus dispõe" 

Jeracina Gonçalves - Barcelos/Portugal- Agosto/2004

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