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sexta-feira, setembro 11, 2020

REFLEXOS DESTE TEMPO - Março/Abril 2020 – PARTE II


Por Jeracina Gonçalves – Barcelos/Portugal

- Então, amiga, como te sentes hoje? Espero que um pouco mais animada. 
Fiquei preocupado contigo e a pensar no que ontem me disseste; e percebo bem o teu estado de espírito. Compreendo-te, Susana. Sozinha em casa sem televisão, sem e-mail, sem Google, sem Facebook... não é fácil. Especialmente quando não é uma decisão tua, como é o caso, mas imposta por essa "coisa". Todavia, às vezes, ajuda olharmos para fora de nós, para o que está à nossa volta. Ajuda a que nos vitimizemos menos e aceitemos melhor as contradanças da vida menos positivas e compreendamos que, afinal, somos uns privilegiados.
Analisa as tuas condições de vida, as condições da tua casa, as tuas condições de confinamento, apesar de todas as limitações. Compara-as com as de tantos e tantos portugueses e portuguesas por esse Portugal adiante. Compara as condições da tua casa com a de tantos portugueses e portuguesas por essas cidades e aldeias de Portugal. 
Claro que é um confinamento imposto por essa miserável partícula invisível de qualquer coisa sem vida; mas é para preservarmos a saúde e a vida de todos. E esse facto tem de bastar para dar-nos o ânimo e a força para o assumirmos com convicta determinação. Porém não é fácil. Nem sempre o nosso inconsciente (e, se calhar, também o nosso consciente) aceita bem o que é imposto. A liberdade de ação é imprescindível para sermos, criarmos e concretizarmos coisas.
- Pois é, Jorge, comigo passa-se exatamente assim. Em tudo. Gosto de tomar as decisões que me dizem respeito e que ninguém as queira tomar por mim. Mas, em relação à situação atual nem tinha pensado nisso. Todavia faz sentido. Inconscientemente tomo isto como uma obrigação imposta por outrem, e não consegui ainda assumi-lo como uma decisão consciente, necessária à continuação da minha liberdade, da minha vida saudável e da dos meus semelhantes. Por isso me é penoso aceitá-lo: amachuca-me, tira-me a vontade de agir, de construir, de fazer seja o que for. Cansa-me. Paralisa-me.
Há dias escrevi este poema, que julgo exprimir bem o que me vai na alma:

CONFINAMENTO

O silêncio perfura o ar com um grito intenso.
Silencioso.
Silenciosamente intenso 
A ribombar no meu coração e entre as quatro paredes de mim.
A ribombar entre as quatro paredes de mim.
Atinge o meu coração e o meu cérebro.
E, como líquido peganhento de solidão,
escorre por todo o meu corpo.
A minha janela já não é o palco do meu encanto;
Perdeu o seu canto e o seu encanto.
Já não bordo a tela azul com os tons de verde esperança.
O azul e o verde perderam a sua cor
Emudeceram os pássaros cantores
E o elegante plátano já não cativa a minha atenção.
O silêncio perfura o ar com um grito intenso.
Silencioso.
Silenciosamente intenso 
A ribombar entre as quatro paredes de mim.
- É um poema bonito, amiga. Mas reflete uma energia anímica "rasteirinha", mulher! 
Tens de ultrapassar isso. Precisas de levantar esse ânimo. E tens armas para fazê-lo. 
Essa capacidade de traduzir sentimentos em palavras dá-te o poder de exorcizar os sentimentos negativos que te apoquentam. Usa-a, Susana! Exorciza as tuas dores. Põe cá fora o que te vai na alma e faz deste tempo nebuloso um tempo de criatividade e dádiva, com que nos podes maravilhar, como tão bem sabes fazer.
Lembras-te daquele livrinho de histórias infantis, que ofereceste no ano passado à Patrícia? 
Pois bem, como ela ainda tem dificuldades na leitura corrente, li-o com ela. E digo-te uma coisa: gostei de cada uma das suas histórias, pedagógicas e inspiradoras de bons sentimentos; mas a da Cadeira Mágica está excecional. Deve ser lida e interiorizada por pequenos e grandes.
Aquele sonho que levou Margarida a sobrevoar o rio desde a nascente à foz, admirar e deliciar-se com os pedaços lindos, saudáveis, harmoniosos, cheios de vida e de cor, tanto no leito como nas margens, e compará-los com os pedaços sujos, mortos, arrastando consigo para a morte a vida a eles subordinada, reflete uma análise cuidada dos sentimentos ambientais que é necessário incentivar nas nossas crianças, e, infelizmente, em muitos adultos também. 
É uma história muito real do que se passa com as vias hídricas nas mais diversas áreas deste nosso planeta. Infelizmente. E parece-me deliciosamente pedagógica, de leitura leve e agradável. É uma lição de amor à vida e à natureza. 
É uma história para crianças e adultos. Dos “oito aos oitenta”, diria eu: uns aprendem, outros reaprendem o que já perderam na euforia do provento rápido, sem olhar às consequências ambientais dos seus atos. 
Devia ser lida, interiorizada e meditada por adultos, em primeiro lugar, para fazê-los refletir nas suas atitudes egocêntricas e egoístas, e no mal que fazem aos próprios filhos e netos, que serão os herdeiros de tudo o que hoje fazemos a este belo planeta que nos serve de casa: “água mole em pedra dura…” ; depois deve ser lida pelas crianças, para que aprendam desde o início a amar e manter limpa e saudável a nossa casa global.
Gostei muito de lê-la, Susana. Levou-me a meditar sobre as minhas atitudes para com esta nossa casa, que nos envia os seus gritos de alerta cada vez mais diretos e com mais frequência, incentivando-nos a alterarmos o nosso relacionamento com ela na prática do dia-a-dia. E essa mudança necessita de ser atual. Já. A todos os níveis. Não podemos adiar mais a sua prática. Teremos de cuidar e preservar os rios, os lagos e toda a rede hidrográfica. A água é vida. Ao poupá-la e ao manter limpas e saudáveis as linhas circulantes e os lençóis freáticos, estamos a cuidar da vida na Terra, a preservar as vidas que suportam a nossa vida, para que continuemos a ser vida neste planeta. 
Tens muito para dar Susana. Procura preencher este tempo de confinamento e fazer dele um tempo de dádiva e de amor: cria e dá de ti o que tens em ti.
- Obrigada, Jorge. As tuas palavras são... nem sei que dizer. Fico muito feliz que tenhas gostado da minha humilde historiazinha. A intenção ao criá-la foi mesmo a de chamar a atenção para os problemas ambientais, particularmente no que respeita à poluição das águas. Foi criada para ser lida por crianças dos oito aos oitenta. E essa foi a resposta que dei à editora, na altura, quando achou que era um pouco “difícil” para as crianças, o que, sinceramente, não concordo. E agora vou ler-te mais um poema escrito ontem; pequenino para não cansar.
“A noite amanhece em silêncio.
Caminha pela minha casa em ondas sonoras de solidão
e propaga-se no tempo deste tempo sem luz,
deste tempo de nuvens espessas a toldarem o horizonte.
- Então, Susana! Não melhorou nada. Assim, não!
Quero ler poemas teus que falem de esperança, de vida, de vitória sobre esta situação perversa que vivemos sob o poder deste vírus maléfico, que tomou o mundo.

11/09/2020
(continua)

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