Pesquisar neste blogue

terça-feira, julho 05, 2022

ENTRE AMIGAS

Espera, tenho muito mais para contar-te: há meses ou talvez há mais de um ano, resolvi que estava na altura de publicar o meu livro “Crónicas de Viagens”, e comecei a imprimi-lo para fazer uma leitura em papel. 
Mas, para meu espanto (embora saiba, desde há muito, que tudo o que escrevo vai cair num saco sem fundo dos aproveitadores do esforço alheio), recebo imediatamente uma mensagem “o ficheiro foi bloqueado para edição, por outro utilizador”. 
Teimei. 
E não é que a impressora começa a vomitar páginas e mais páginas, em grande velocidade, com as minhas crónicas, começando pela página trezentas e tal…, quando o livro tem 160 ou 180 (já não recordo bem) páginas!
- Ah... Não me digas!… Alguém, em algum sítio, está a usar o teu trabalho.
- Ó minha amiga, não tenhas dúvidas, que eu também as não tenho. Alguém, em algum sítio, está a usar o meu trabalho em seu proveito.
- Não sei como aguentas tudo isso e manténs esse ar sereno, como se a vida  seja para ti um mar de rosas. Admiro-te. Eu já teria mandado tudo para o diabo.
- É o que me apetece muitas vezes. Até porque as autoridades não fazem nada. Têm conhecimento disto há anos, e nada acontece. Mas que queres que faça? Escrever faz parte de mim. É algo que vem de dentro. Faz-me falta. É intrínseco ao meu ser. Todos os dias preciso de escrever ainda que seja uma simples frase. A minha cabeça, o meu corpo não funcionam sem isso. É estranho, mas preciso desse exercício intelectual para me ativar fisicamente. Tenho por aí inúmeros papéis escritos com pequenas anotações, que preciso de organizar.
- Sendo assim, porque não arranjas uns cadernos e escreves à mão?
- É muito diferente escrever à mão ou no computador. E, quando se começa a escrever no computador, há alguma dificuldade em nos adaptarmos de novo a escrever à mão. No computador, se nos parece que aquele termo não é o mais apropriado naquele contexto, temos o dicionário ali à mão e, rapidamente, teremos acesso a outro com o mesmo ou com significado equivalente que nos pareça compor melhor a frase; ao passo que, escrevendo à mão, será necessário andar com os calhamaços dos dicionários atrás de nós. E mais: se há uma frase, que numa segunda leitura nos parece menos bem naquele sítio, muda-se com toda a rapidez para outro, onde nos pareça que exerce melhor o sentido que queremos dar ao texto… E por aí afora. É muito diferente escrever no computador ou á mão. É muito mais cómodo, muito mais fácil e muito mais rápido. 
Estes abutres subterrâneos é que são o grande problema. Agarram a presa e não a largam. Tenho de convencer-me que, realmente, sou boa a escrever. Só assim se compreende estes anos todos de perseguição.
- Claro que és boa no que fazes. A tua escrita sai da alma. É sentimento, é amor, é paz.
- E de que me vale isso? De que me vale sentir o perfume da terra, o seu frescor sorridente, a luz perfumada da aurora, o cantar puro da fonte, se preciso de estar em guerra e em fuga permanente contra estes vampiros invasores? 
Sinceramente, Maria, não é fácil. E já chorei muitas lágrimas. O meu computador era o depositário da minha alma quando precisava de desabafar. Era o cofre dos meus segredos. E foi muito penoso sentir a minha alma conspurcada por olhares ímpios, perversos e sem pudor. Mas tudo passa. Quando temos consciência da limpidez da nossa existência (com pecados, claro, como todo o ser humano, mas nenhum causador de danos a qualquer outro ser), consciencializámo-nos de que a vida é para a frente e não podemos permitir que os abutres a travem. É necessário olhá-los de frente, com olhar direto, e continuarmos o nosso trajeto.
- Tens razão minha amiga. Mas é preciso coragem e muita força de alma para não sucumbir a tanta pressão.
- Claro que há momentos muito maus. Mas… Quem os não tem, de uma forma ou de outra? E, muitas vezes, a força chega-nos da revolta que sentimos contra este estado de coisas, esta perseguição consistente e permanente, quando há a plena consciência de nunca ter feito mal a alguém. Bem pelo contrário: Mas…
Jeracina Gonçalves
Barcelos/Portugal, 05/07/2022

Sem comentários: